A miopia de quem lida com tributação no Brasil

Tentei fazer uma reclamação no psiu da Prefeitura de São Paulo (SAC na Internet). O site não conclui o processo, dá erro. Tentei por telefone, não consegui. Lixo total de atendimento ao cidadão.

Como cansei de falar aos meus amigos fiscais de tributos, a percepção de que o Estado não funciona tem efeitos diretos (porém de longo prazo) sobre a atitude em relação ao pagamento de impostos (e não é só minha opinião, as evidências científicas são claras). Ignorem isso (como sempre fizeram) e jamais contarão com a simpatia da população. Em vez de campanhas bla-bla-bla sobre a importância dos tributos (cuja eficácia jamais foi comprovada), vocês deveriam estar preocupados em discutir modelos de gestão pública e em propor caminhos para os cidadãos terem um mínimo de qualidade no atendimento de suas demandas.

Justiça organizacional na relação Fisco x contribuinte

Justiça organizacional é um tema que ainda não está no radar na formação de gestores no Brasil, mas cuja base conceitual é bastante sólida e desenvolvida nas principais escolas de Administração no mundo.

O conceito é aplicável não apenas a comportamentos organizacionais, mas vem sendo estudado (e seus efeitos comprovados) nos últimos anos em contextos como as relações Fisco x contribuinte, empresa x consumidores, negociações e outros.

Nesta apresentação (clique aqui) eu tratei do tema com o enfoque no comportamento organizacional. Aqui vou complementar rapidamente alguns aspectos relacionados especificamente ao contexto da tributação. 

Como explico na apresentação, o conceito de justiça organizacional compreende basicamente três aspectos: justiça procedimental, distributiva e interacional.

Em termos de justiça procedimental, recomenda-se que haja processos estruturados para que os contribuintes tenham voz em decisões que impactam a tributação e possam questionar informações incorretas que amparem essas decisões; que os processos de decisão (exemplo: processo administrativo-tributário) sejam neutros e se baseiem em critérios objetivos e contestáveis; que as decisões tomadas sejam muito bem explicadas e comuniquem riscos envolvidos e preocupações; e que as regras do jogo sejam claramente entendidas.

Em termos de justiça distributiva, é importante gerenciar a justiça horizontal – a percepção de que os impostos são cobrados dos diversos setores de forma justa e de que não há privilégios. O mesmo conceito abarca percepções a respeito da carga tributária e retorno à sociedade do valor pago em impostos.

Já a justiça interacional compreende, no campo tributário, o acesso a informações tributárias e explicações sobre mudanças na legislação, o didatismo das informações, a transparência, bem como o tratamento digno e respeitoso no atendimento ao contribuinte.

Um outro aspecto de justiça que eu não tratei no vídeo, mas que é importante na administração tributária, é a justiça retributiva: As sanções em caso de violação das normas são percebidas como apropriadas? O conceito abarca também a rigidez e razoabilidade das auditorias, a existência de regras consistentes contra a evasão e de medidas adequadas para combatê-la e as percepções dos contribuintes sobre anistias.

IPTU e a metáfora descabida

Não sei se foi de propósito, mas a comparação que o prefeito de São Paulo fez entre o IPTU e a taxa de condomínio me lembrou do trabalho que o famoso e influente linguista George Lakoff fez para o Partido Democrata nos EUA. Nessa consultoria, Lakoff propôs um novo nome para os impostos: taxa de associação (“membership fee”), procurando transmitir a ideia de que todos fazemos parte de um grande clube e que devemos pagar por isso (até aí, de acordo). Lakoff entende que o poder é exercido também pela forma como assuntos sociais (como a tributação) são enquadrados e comunicados. Mas voltando ao Terceiro Mundo, um dos graves problemas com essa comparação feita pelo prefeito paulistano é que o nosso “condomínio” funciona muito mal, quando funciona. Pior, nenhum síndico teria a coragem de dobrar o valor de uma taxa condominial (em 3 anos), acima da inflação, em bases tão frágeis (no caso da Prefeitura, acompanhando a artificial e absurda bolha imobiliária). Seria deposto na mesma semana. Tente propor isso no seu prédio, se você mora em um. Para finalizar, quem quer conhecer o trabalho de Lakoff (que é muito bom), segue a indicação de seu livro clássico.
http://www.amazon.com/Metaphors-We-Live-George-Lakoff/dp/0226468011/

Tributando a bolha imobiliária – parte 2

A bolha imobiliária que ajudou a jogar o Japão em uma estagnação econômica da qual até hoje ele não saiu durou dez anos, atingindo um pico em 1991, após uma valorização real de 76% no preço dos imóveis. Depois disso, houve um lento declínio de 31% por 5 anos. Isto é, não houve um “estouro” propriamente dito, com pânico etc. A recente bolha imobiliária americana seguiu o mesmo padrão de valorização e desvalorização no mesmo intervalo de tempo. Os dados e o gráfico estão no livro (excelente) do Nate Silver, “The Signal and The Noise”. Agora, comparem com o que está acontecendo no Brasil. No Rio, os preços dos imóveis mais do que dobraram nos últimos 5 anos, acima da inflação. Em São Paulo, o aumento real foi só um pouco menor do que o do Rio. Especialistas brasileiros e internacionais reconhecem a bolha imobiliária. O preço do IPTU deve refletir o valor venal dos imóveis, mas há diversos princípios que precisam ser levados em conta na administração pública. Na minha visão, os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da capacidade contributiva contraindicam esse aumento pretendido, especialmente ao se levar em conta que já houve um aumento real há poucos (3?) anos. É preciso reconhecer quando a administração pública passa da conta. Isso não é demérito para o servidor público, que precisa levar em conta os legítimos interesses da sociedade na sua avaliação. O caminho seguido pela prefeitura paulistana está equivocado. Estão tributando a bolha imobiliária e penalizando excessivamente os contribuintes. Não dá mais para o Estado (lato sensu) aumentar a carga tributária da sociedade quando sentir que precisa de mais recursos. O limite já está dado. Minha avaliação é a de que essa medida é não apenas um erro tributário, mas especialmente um erro político, decorrente de uma leitura distorcida do cenário social.

Comportamento de pagar tributos

Um livro que vale a pena ser lido, desta vez na área de comportamento tributário, é o The Economic Psychology of Tax Behavior (2009), do Erich Kirchler (Universidade de Viena). É um dos raros casos de trabalho que soube conciliar a visão econômica do comportamento de pagar tributos com a visão comportamental, que agrega variáveis com reconhecida influência causal (conforme as evidências científicas) sobre esse comportamento, como a confiança no Fisco, as percepções de justiça (fairness) e o que ele chama de “clima tributário”. O livro também discute dois paradigmas importantes de atuação do Fisco: o Fisco eminentemente repressor versus o Fisco que propicia um clima colaborativo aos contribuintes.

O livro também está disponível para o Kindle: http://www.amazon.com/Economic-Psychology-Tax-Behaviour/dp/0521757479/