A propósito de fotos que candidatos ao poder tiram com seus outrora adversários políticos, antes considerados “encarnações do mal”. George Orwell, em seu clássico “Animal Farm”, captou como poucos essa tragédia humana que se repete ao longo da história, em que autoproclamados defensores da ética são vistos, após chegar ao poder, desempenhando os mesmos comportamentos que outrora consideravam repugnantes. Cito, em especial, essa memorável passagem do livro, no momento em que os animais que foram liderados pelos porcos ao que parecia ser um mundo melhor constatam que caíram em um grande engodo, pois os porcos agora agiam como os humanos a quem antes combatiam: “The creatures outside looked from pig to man, and from man to pig, and from pig to man again; but already it was impossible to say which was which.”
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Confirmation bias and witch trials
We look to reality to confirm our beliefs. It is automatic, you cannot control it. We navigate the world looking for patterns that match our expectations and beliefs. Worse: We treat the disconfirming information in a way similar to how witches were “judged” during the incredible witch-craze that took place a few centuries ago (and represents one of several stains in mankind’s history.) Women accused of being witches often were subjected to what was known as the “cold water test”: they were thrown into a lake, for instance. If they floated, this was the “proof” they were witches and death by burning or hanging was their destiny. If somehow they did not float, they were considered innocent, but often they drowned and died anyway*. So a similar process occurs when we face some information that we don’t like or that disconfirms our mental models: We make sure (automatically) it will face a biased evaluation that eventually will kill it. There is plenty of scientific evidence showing this process in action. This is one of the human paradoxes we have to live with.
* Trevor-Roper, H. R. (1968). The European Witch-Craze of the Sixteenth and Seventeenth Centuries and Other Essays.
A caverna de Platão e a gestão
Um problema, conhecido dos principais estudiosos da Administração (e pouquíssimo conhecido na prática das organizações) é o chamado groupthink, o pensamento único coletivo. Trata-se do consenso quase automático que se forma em torno de ideias esposadas por líderes da organização, que é alimentado por alguns vieses importantes. Em primeiro lugar (…) Leia o artigo completo aqui.
“Tiro, porrada e bomba”
O homo sapiens surgiu em um algum momento entre 50 mil a 100 mil atrás. A agricultura surgiu há 10 mil anos. O ser humano sempre se matou com muito gosto. Para quem estiver com vontade se sentir triste, recomendo o livro do historiador David Stannard, “American Holocaust”, sobre o extermínio de mais de 100 milhões de índios desde que Colombo pôs seus pezinhos neste continente (os relatos – verídicos – de bebês estraçalhados por cachorros ou mortos no colo de suas mães são imagens que vão me acompanhar pro resto da vida). Existe um botãozinho no ser humano que é muito fácil de ativar, o “in-group” versus “out-groups”. As evidências científicas mostram que basta separar pessoas por qualquer motivo aleatório, uma jogada de dados, e formam-se automaticamente grupos com identidade própria, que tendem a repelir os demais grupos, os outros, os diferentes. Durante muitos séculos o diferente eram aqueles de outra origem, de outras tribos, com outras crenças ou os considerados sem alma, caso dos indígenas, cuja morte era justificada como uma vontade de Deus. Deuses diversos foram invocados ao longo da História para justificar aniquilamentos e conquistas. Durante séculos recentes, dezenas de milhares de mulheres foram executadas legalmente sob a alegação de serem bruxas. Por sua vez, pela quase totalidade da história humana, sempre se considerou normal escravizar outras pessoas. De fato, a captura de escravos e o estupro de mulheres sempre foram espólios de guerra extremamente valorizados.
Um outro livro muito instrutivo sobre a demonstrada capacidade humana de aniquiliar os diferentes é a do pesquisador Steven Pinker (“The Better Angels of Our Nature”) que, inclusive, derruba o mito de que o século XX foi o mais sanguinário da História.
Mas Pinker aponta que a partir da segunda metade do século passado iniciou-se um período inédito de pequenas taxas de violência intra e entre grupos, com diversas causas e em diversos níveis. Pinker tem uma argumentação muito rica, fortemente baseada em dados (e não em conjecturas) e uma clara compreensão da complexidade do fenômeno.
As causas apontadas por Pinker são diversas e multifacetadas e não é o objetivo deste artigo revê-las. O objetivo é chamar a atenção para essa inflexão na história humana recente.
Ainda um pouco antes da metade do século XX, o filósofo Karl Popper revolucionaria as fundações da ciência, ao defender o caráter provisório de todo o conhecimento científico e o foco na falsificabilidade das teorias como critério de busca da verdade e avanço do conhecimento. Hoje a contribuição pode até parecer banal, mas não custa lembrar que um dos grandes heróis da ciência e da medicina, o médico húngaro Ignaz Semmelweis, foi expulso do hospital de Viena há pouco mais de um século e ridicularizado ao propor que os médicos que faziam partos (que eram os mesmos que faziam necrópsias) lavassem as mãos em uma solução clorada. evitando-se as altíssimas taxas de mortes desnecessárias causadas por infecções transmitidas a partir da manipulação de cadáveres. A consideração de uma simples hipótese falsificável – algo que Semmelweis pôs em prática – teria evitado não apenas as mortes, mas também o ostracismo desse herói. E como se morria até o século XIX,…pois se imaginava que as doenças eram transmitidas por eflúvios invisíveis, pelo que se chamava de miasma. Em outras palavras, a ausência de conhecimento científico significava uma vida guiada por superstições e ameaçada frequentemente por causas perfeitamente evitáveis.
Que grande contribuição daria Popper! Quem lê hoje alguns estudos considerados clássicos na Administração, como a teoria dos dois fatores (higiênicos e motivacionais) de Herzberg ou o famoso “experimento” de Hawthorne percebe facilmente sua incrível fraqueza metodológica (praticamente uma piada no segundo caso), eis que inspirados pelo paradigma anterior.
Similarmente, embora sua narrativa seja cativante, a “teoria” de Freud não encontraria comprovação científica no século XX, quando submetida aos mesmos critérios que Popper e outros filósofos da ciência viriam a estabelecer.
Mudando um pouco o foco. Como mostra Barbara Kellerman em “The End of Leadership”, até meados do século passado as relações de poder, nos seus diversos níveis, sempre foram extremamente autoritárias. O poder dos maridos nas casas era praticamente absoluto. Mulheres viviam para cuidar das obrigações domésticas, dos filhos e para não causar problemas aos cônjuges. Retroceda-se um século e existia previsão legal para que uma mulher perdesse o direito à moradia e sobre os filhos caso resolvesse abandonar um casamento infeliz. No Brasil, como muitos sabem, um casamento infeliz era uma prisão até o final da década de 70 e o estigma sobre mulheres separadas, fortíssimo. Ainda até meados do século XX, o poder dos políticos era inquestionável e indevassável e o poder dos chefes, quase absoluto. Assédio moral ou assédio sexual são termos jovens.
Qual é o ponto disso tudo?
O ser humano passou dezenas de milhares de anos vivendo sob sistemas de crenças mágicas e superstições. Como argumenta Jared Diamond (“Guns, Germs, and Steel”), ao longo da história as religiões foram prontamente utilizadas para justificar sistemas sociais com forte concentração de poder e opressão e sem qualquer mobilidade social. Como citado acima, religiões também foram usadas como pretexto para aniquilar homens, mulheres e crianças. O ser humano sempre matou seus semelhantes/diferentes com muito gosto. Ele, na maior parte do tempo, nunca aceitou bem a divergência de ideias e opiniões. Tudo isso requer uma capacidade de autocontrole, de convivência democrática e de racionalidade que só se tornou possível, basicamente, a partir da metade do século passado, com a consolidação do conhecimento científico, o nascimento e amadurecimento de instituições e outras formas de regulação social ancoradas em princípios de racionalidade. Estamos falando de algo como 0,1% do tempo em que existimos. Em outras palavras, nossos genes e nossos sistemas de crenças conspiram contra esse avanço. Ainda hoje, em países não civilizados homossexuais são assassinados, albinos são esquartejados, mulheres são vítimas de crimes de honra e de mutilação genital e povos vizinhos se trucidam motivados por origens étnicas ou religiões diferentes.
De fato, a partir da metade do século passado muita coisa mudou e nós somos fruto de muitas dessas mudanças.
Mas os reflexos condicionados, os botõezinhos do “in-group/out-group”, e o software mental representado pela cultura brasileira (fortemente autoritária) estão todos aí. Não quer dizer que não possam ser superados, ainda que tenhamos um longo caminho pela frente.
O fetiche pelo bônus
É sintomático que o governo paulista tenha chamado o desconto na conta de água de bônus. É tão bonito chamar qualquer coisa de bônus. Os governos precisam sempre cuidar da gestão simbólica. Os símbolos, como ensinou o filósofo Robert Nozik, tem um valor independente das ações a que eles se vinculam. Qualquer governo tenta sempre parecer moderno (Roseana Sarney renomeou seus secretários como “gerentes”). Voltando ao bônus, um dia esse fetiche vai acabar. Mas esse dia ainda parece estar longe.
E quase 1/4 dos consumidores aumentou o consumo de água…
Os conceitos de direita e esquerda ainda são válidos?
Leitor, dependendo de sua idade, você talvez se lembre de pesquisa feita com congressistas brasileiros há umas duas décadas, em que a maioria esmagadora se declarava “de esquerda”. Declarar-se de direita no Brasil sempre pegou mal e mesmo quem proclamava valores liberais (caso de partidos como PL, PFL etc.) na prática portava-se como replicador das piores práticas patrimonialistas, sem preocupação com aplicação de seus supostos ideais. Ser “de esquerda” sempre foi sinônimo de preocupação com os mais pobres e era um atestado natural de bondade. Ser “de direita” sempre significou (aos olhos de quem assim se intitulava) preocupação com a pátria, com a família etc. O diálogo em termos comuns era e ainda é impossível, pois cada lado vê o outro como amoral. Depois que a “esquerda”/classe operária finalmente chegou ao poder (e aqui incluo não apenas o PT, mas também parte do PSDB), não demonstrou, na minha visão, nenhuma capacidade transformadora (ou o que, no jargão da administração, é conhecido como liderança transformadora): Aliou-se gostosamente aos donos do poder de fato, reproduziu as mesmas práticas fisiológicas e patrimonialistas; enfim, aderiu, como um Ulisses desamarrado, ao inescapável e doce canto do poder. Podem argumentar que, com a esquerda no poder, o estrato menos favorecido da sociedade finalmente teve vez (sim, teve!). Mas a ideia de um imposto de renda negativo (que germinaria no nosso conhecido bolsa-família) é uma ideia fortemente liberal, defendida por Friedman e Hayek. Saindo desse atalho e voltando aonde quero chegar: Ainda que a prática do poder tenha revelado a nudez da chamada esquerda brasileira, seu discurso foi objeto de um “retrofit” (usando um termo do mercado imobiliário). Para fazer frente ao desconforto cognitivo gerado entre ideais nobres do passado e práticas espúrias e para sustentar a permanência do poder (apostando na força de uma estória messiânica – nós, do bem, versus eles, os conservadores atrasados, o mal), temas clássico do discurso esquerdista como a luta de classes ganharam nova roupagem (em alguns casos, claramente ridícula, como a tentativa de atribuir a reação aos rolezinhos ao “racismo da elite branca”). A classificação entre direita e esquerda ainda é útil? Acredito que não. Acredito que de um ponto de vista racional, o melhor é buscar ajuda na ciência. O estudioso da psicologia da moral Jonathan Haidt construiu uma teoria que é compatível com proposições de dois grandes antropólogos especializados na mesma área (Richard Shweder e Alan Fiske) que mostra que é possível classificar grupos sociais e sociedades de acordo com a adesão desses grupos a diferentes conjuntos de valores morais universais. Essa classificação permite identificar claramente, por exemplo, que liberais e conservadores nos EUA olham o mundo e o Estado por lentes claramente distintas (que vão além da simples dicotomia individualismo x coletivismo) e que não existe, na prática, um ambiente de diálogo comum. A teoria e as evidências permitem observar claramente que existe um continuum que separa os grupos políticos e esse continuum pode ser separado grosso modo em duas metades: De um lado, estão aqueles que entendem que o Estado é o supremo mediador de todas as relações sociais e econômicas (o que no Brasil coloca no mesmo saco partidos como o PT e o PMDB, Lula e Sarney) e, de outro lado, estão aqueles que entendem que o Estado tem o papel de garantir valores supremos (família, pátria, religião), mas não tem o direito de se meter em aspectos da vida social em que indivíduo deve ter primazia (essa metade estaria representada no Brasil por gente como os economistas Rodrigo Constantino e Armínio Fraga, o articulista Reinaldo Azevedo e o Partido Novo). Como eu disse, as dimensões que dão origem a essa distinção são um pouco mais sutis. Mas, em resumo, entendo, sim, que elas permitem um modelo bem mais refinado para enxergar a realidade política e social do que a velha dicotomia direita/esquerda. E (assunto para outro texto) a existência dessa dicotomia não implica uma valorização moral, isto é, não implica necessariamente que um dos lados é o melhor ou o detentor da verdade universal. Isso porque frequentemente os princípios e dogmas que orientam essas visões de mundo são defendidos mesmo em afronta às evidências científicas. Para ficar em um exemplo, os poucos conservadores brasileiros têm defendido uma bandeira que foi religiosamente hasteada nos EUA por John Lott (baseado em dados cuja metodologia foi severamente questionada), que é o direito dos indivíduos portarem armas de fogo. Uma abordagem utilitarista (que é a que eu defendo em casos como esse), ancorada em evidências cuidadosamente estudadas, rejeitaria claramente essa medida. Volto, quando der, ao tema.
O peso das mochilas, o ridículo e o subdesenvolvimento
O Senado aprovou um projeto limitando o peso das mochilas a 15% do peso das crianças que as carreguem, estabelecendo uma série de medidas adicionais, como a obrigação de que as escolas tenham armários para guardar o material escolar. Esse é mais um exemplo da produção de normas ridículas, que não apenas não serão cumpridas, mas que representam bem o traço cultural que Geert Hofstede (conhecido antropólogo holandês) chamou de intolerância à ambiguidade: em países como o Brasil, tudo -absolutamente tudo – precisa ser regulado, normatizado ou controlado por lei. Chegamos, assim, a exemplos bizarros como esse da mochila e tantos outros (alguém sinceramente acha que obrigar comerciantes a exibir o Código de Defesa do Consumidor tem algum resultado prático?). Esse assunto é um daqueles em que o Estado claramente não deveria se meter, tanto por critérios filosóficos quanto por um critério prático (a medida é impossível de ser fiscalizada). Não adianta, nosso terceiro-mundismo está no DNA cultural.
Global warming and tax structure: Robert Frank’s proposal
Opiniões são como filhos
Como as pessoas se corrompem?