Banco de desafios no setor público

A revista Exame desta semana traz reportagem sobre como algumas grandes cidades do mundo estão enfrentando os desafios de gestão, destacando uma elite de servidores públicos para essa tarefa. Infelizmente, nenhuma cidade brasileira na relação. Eu defendo o conceito de banco de desafios para as organizações públicas brasileiras: um conjunto de problemas variando dos simples aos hipercomplexos (cabeludos), disponíveis para serem escolhidos e enfrentados por servidores motivados, trabalhando sob um regime de autonomia e accountability. Um dia chegaremos lá, mas é um desperdício que os governos daqui ainda estejam amarrados a modelos de gestão tão arcaicos, que não produzem inovação, entregam pouco valor e asfixiam a motivação dos profissionais.

What do fast food chains and behavior change have in common?

Consider the following questions.
In trying to change the behavior of vulnerable segments of our societies, why not use the same approach that fuels the successful global expansion of fast food chains (contributing to the current obesity and diabetes epidemics)? Why should the “devil” have all the best tunes?
In a nutshell, social marketing is a discipline that integrates knowledge from marketing and related disciplines on human behavior (like psychology, economics and anthropology) to inspire the creation of social programs that deliver value and change the behavior of individuals and segments of societies, increasing societal well-being as a result.
Social marketing enrich social programs by adding a unique value proposition: the ability to conjugate the understanding of human behavior with the use of the same techniques, principles and knowledge that companies employ to succeed in the marketplace (such as segmentation, branding and consumer research).
Social marketing builds a deep knowledge of social program’s targets from bottom-up, from understanding their values, beliefs, attitudes, and the barriers that prevents them from performing the intended behavior.
Since it was christened in 1971 as a legitimate offspring of mainstream marketing, social marketing has been employed with success to deal with varying social problems, such as improving health, protecting the environment, fighting diseases like HIV, decreasing the use of tobacco, and reducing poverty all over the world. Nowadays, it is a mature discipline and integrates the repertoire of several governments and other important social actors.
Maybe this talk reminds you of behavioral economics.
Behavioral economics has gained a deserved reputation over the last years, due to the Nobel Prize conceded to Daniel Kahneman and the late Amos Tversky and due to excellent books from academic stars such as Dan Ariely and Richard Taller (“Nudge”). It has shattered the concept of homo economicus, the idea that human beings are rational and powerful processing machines with predictable preferences. We must use their evidence-based insights on interventions to tackle complex social problems. But we should go further and use their findings under a more encompassing approach. That approach, that umbrella, with an incredible track of success in overcoming social problems is social marketing.
Social marketing also offers a kind of “portable” framework that can be employed to target social actors in charge of structural roles. In other words, most social problems have causes whose roots are distant from the individual level of behavior. Social change happens as a result of the interplay of several factors, many of them depending on the behavior of actors such as politicians, media professionals, pundits and the like. The flexible social marketing framework can help the mission of targeting them to create change at a broader and enduring level.
Did you know that?

A lovely initiative to decrease speed

This was an idea adopted – as far as I know as an experiment – by the Swedish government together with Volkswagen. It is a social intervention that activates a deep need all human beings have: the drive for justice, or what is known theoretically as distributive justice. In simple words, it is the balance between efforts and rewards. What if instead of relying on fines to control the behavior of drivers, governments instead employed a lottery system, using the revenues from fines applied to non-compliant drivers to reward good behavior? This initiative created a lottery that enrolled automatically all the good (compliant) drivers. It made a clever use of fun in a gamification-like approach. The experiment produced significant results. It is a lesson to social marketers and governments. You can learn more on the website created by Volkswagen to host similar initiatives: http://www.thefuntheory.com/speed-camera-lottery-0

Os conceitos de direita e esquerda ainda são válidos?

Leitor, dependendo de sua idade, você talvez se lembre de pesquisa feita com congressistas brasileiros há umas duas décadas, em que a maioria esmagadora se declarava “de esquerda”. Declarar-se de direita no Brasil sempre pegou mal e mesmo quem proclamava valores liberais (caso de partidos como PL, PFL etc.) na prática portava-se como replicador das piores práticas patrimonialistas, sem preocupação com aplicação de seus supostos ideais. Ser “de esquerda” sempre foi sinônimo de preocupação com os mais pobres e era um atestado natural de bondade. Ser “de direita” sempre significou (aos olhos de quem assim se intitulava) preocupação com a pátria, com a família etc. O diálogo em termos comuns era e ainda é impossível, pois cada lado vê o outro como amoral. Depois que a “esquerda”/classe operária finalmente chegou ao poder (e aqui incluo não apenas o PT, mas também parte do PSDB), não demonstrou, na minha visão, nenhuma capacidade transformadora (ou o que, no jargão da administração, é conhecido como liderança transformadora): Aliou-se gostosamente aos donos do poder de fato, reproduziu as mesmas práticas fisiológicas e patrimonialistas; enfim, aderiu, como um Ulisses desamarrado, ao inescapável e doce canto do poder. Podem argumentar que, com a esquerda no poder, o estrato menos favorecido da sociedade finalmente teve vez (sim, teve!). Mas a ideia de um imposto de renda negativo (que germinaria no nosso conhecido bolsa-família) é uma ideia fortemente liberal, defendida por Friedman e Hayek. Saindo desse atalho e voltando aonde quero chegar: Ainda que a prática do poder tenha revelado a nudez da chamada esquerda brasileira, seu discurso foi objeto de um “retrofit” (usando um termo do mercado imobiliário). Para fazer frente ao desconforto cognitivo gerado entre ideais nobres do passado e práticas espúrias e para sustentar a permanência do poder (apostando na força de uma estória messiânica – nós, do bem, versus eles, os conservadores atrasados, o mal), temas clássico do discurso esquerdista como a luta de classes ganharam nova roupagem (em alguns casos, claramente ridícula, como a tentativa de atribuir a reação aos rolezinhos ao “racismo da elite branca”). A classificação entre direita e esquerda ainda é útil? Acredito que não. Acredito que de um ponto de vista racional, o melhor é buscar ajuda na ciência. O estudioso da psicologia da moral Jonathan Haidt construiu uma teoria que é compatível com proposições de dois grandes antropólogos especializados na mesma área (Richard Shweder e Alan Fiske) que mostra que é possível classificar grupos sociais e sociedades de acordo com a adesão desses grupos a diferentes conjuntos de valores morais universais. Essa classificação permite identificar claramente, por exemplo, que liberais e conservadores nos EUA olham o mundo e o Estado por lentes claramente distintas (que vão além da simples dicotomia individualismo x coletivismo) e que não existe, na prática, um ambiente de diálogo comum. A teoria e as evidências permitem observar claramente que existe um continuum que separa os grupos políticos e esse continuum pode ser separado grosso modo em duas metades: De um lado, estão aqueles que entendem que o Estado é o supremo mediador de todas as relações sociais e econômicas (o que no Brasil coloca no mesmo saco partidos como o PT e o PMDB, Lula e Sarney) e, de outro lado, estão aqueles que entendem que o Estado tem o papel de garantir valores supremos (família, pátria, religião), mas não tem o direito de se meter em aspectos da vida social em que indivíduo deve ter primazia (essa metade estaria representada no Brasil por gente como os economistas Rodrigo Constantino e Armínio Fraga, o articulista Reinaldo Azevedo e o Partido Novo). Como eu disse, as dimensões que dão origem a essa distinção são um pouco mais sutis. Mas, em resumo, entendo, sim, que elas permitem um modelo bem mais refinado para enxergar a realidade política e social do que a velha dicotomia direita/esquerda. E (assunto para outro texto) a existência dessa dicotomia não implica uma valorização moral, isto é, não implica necessariamente que um dos lados é o melhor ou o detentor da verdade universal. Isso porque frequentemente os princípios e dogmas que orientam essas visões de mundo são defendidos mesmo em afronta às evidências científicas. Para ficar em um exemplo, os poucos conservadores brasileiros têm defendido uma bandeira que foi religiosamente hasteada nos EUA por John Lott (baseado em dados cuja metodologia foi severamente questionada), que é o direito dos indivíduos portarem armas de fogo. Uma abordagem utilitarista (que é a que eu defendo em casos como esse), ancorada em evidências cuidadosamente estudadas, rejeitaria claramente essa medida. Volto, quando der, ao tema.

IPTU e a metáfora descabida

Não sei se foi de propósito, mas a comparação que o prefeito de São Paulo fez entre o IPTU e a taxa de condomínio me lembrou do trabalho que o famoso e influente linguista George Lakoff fez para o Partido Democrata nos EUA. Nessa consultoria, Lakoff propôs um novo nome para os impostos: taxa de associação (“membership fee”), procurando transmitir a ideia de que todos fazemos parte de um grande clube e que devemos pagar por isso (até aí, de acordo). Lakoff entende que o poder é exercido também pela forma como assuntos sociais (como a tributação) são enquadrados e comunicados. Mas voltando ao Terceiro Mundo, um dos graves problemas com essa comparação feita pelo prefeito paulistano é que o nosso “condomínio” funciona muito mal, quando funciona. Pior, nenhum síndico teria a coragem de dobrar o valor de uma taxa condominial (em 3 anos), acima da inflação, em bases tão frágeis (no caso da Prefeitura, acompanhando a artificial e absurda bolha imobiliária). Seria deposto na mesma semana. Tente propor isso no seu prédio, se você mora em um. Para finalizar, quem quer conhecer o trabalho de Lakoff (que é muito bom), segue a indicação de seu livro clássico.
http://www.amazon.com/Metaphors-We-Live-George-Lakoff/dp/0226468011/

O que sua revista semanal não te conta sobre educação

Na era do discurso hegemônico sobre a solução para os problemas da educação baseada em bônus por resultados em testes  (algo com consequências frequentemente negativas – leia mais aqui), alguns pesquisadores associados com a Universidade de Harvard (na área de educação), publicaram um livro muito bom (Making Thinking Visible), mostrando que a educação é muito mais do que “transmitir conhecimento”. O livro se soma a alguns outros na mesma linha, como o de David Perkins, também de Harvard. Como os autores mesmo lembram, as escolas foram criadas sob um modelo industrial, com foco na mera transmissão de conhecimento. Hoje, nesse ambiente voltado à preparação para testes, o foco se resume basicamente a cobrir o currículo e preparar os alunos para ir bem nas provas. Mas será que educação é só ir bem em uma prova? Como eles reconhecem, o ambiente atual é hostil ao ensino com foco no entendimento e no desenvolvimento de habilidades cognitivas (thinking dispositions) como o raciocínio crítico. Evidentemente, ensinar com foco no entendimento pressupõe que o aluno aprenda o que precisa ser aprendido, mas a ideia é que esse aprendizado seja profundo e duradouro. É algo mais complexo do que essas fórmulas simplistas apregoadas por aí, que soam como música aos nossos ouvidos subdesenvolvidos.

Organizações ambidestras

Cada vez mais se questiona o papel de arquiteturas organizacionais tradicionais (isto é, como as organizações se estruturam formalmente), tendo em vista o reconhecimento de que essas estruturas não conseguem lidar bem com os desafios ambientais e os paradoxos da gestão contemporânea. Essa seção aqui do Harvard Working Knowledge (http://hbswk.hbs.edu/item/7282.html) sempre pergunta aos leitores a opinião sobre assuntos como esse e, ao final, faz um resumo do tema. Eu, sinceramente, acho que o caminho apontado pelo professor de Harvard John Kotter é promissor tanto para organizações privadas como públicas. Vejam o que ele disse (traduzi):

John Kotter sugeriu recentemente que as organizações bem-sucedidas do futuro terão de ter, ao mesmo tempo, hierarquias tradicionais para lidar com seus negócios centrais e redes que serão mais adequadas para lidar com as novas oportunidades. Isso vai requerer líderes que possam construir e gerenciar “sistemas operacionais duplos”, colocando nas redes de inovação pessoas voluntárias da hierarquia existente. Isso vai requerer também uma coalizão de liderança para coordenar a direção estratégica dos esforços dessa rede de inovação com a estratégia geral perseguida pela hierarquia convencional.

Kotter defende que a mesma organização seja integrada pelas duas estruturas, uma mais tradicional e a outra, maleável. É o que se tem chamado também, com algumas variações, de abordagem ambidestra nas organizações. A ideia é, enfim, ter estruturas organizacionais maleáveis, que possam ser “montadas” e “desmontadas” de acordo com as demandas do ambiente e os desafios estratégicos.

O texto é curto e vale a pena ler (clique aqui: http://hbswk.hbs.edu/item/7282.html)

Criminalidade e (ir)racionalidade

Assassino de criança deveria pegar, no mínimo, prisão perpétua. Mas no Brasil os criminosos são tratados como coitadinhos. Esse caso do menino, filho de bolivianos, que entregaram mais de 4 mil reais aos assaltantes e mesmo assim tiveram o filho executado, é uma prova da inversão de valores no Brasil. Onde está a racionalidade neste pais? Renan Calheiros (que deveria ter sido um dos objetos dos protestos mas que soube se entender bem com o tal “movimento”) pôs em votação urgente um projeto instituindo transporte “grátis” para todos os estudantes brasileiros, com recursos do pré-sal (!!!!). É irracionalidade demais. Enquanto isso, muita gente inocente, como essa pobre criança, vai continuar morrendo no Brasil diariamente, porque os problemas de fundo continuam ignorados e porque os falsos problemas recebem falsas soluções, piorando o bem-estar do pais e afundando a gestão e a racionalidade.