A supervalorização da inteligência

Há alguns anos correu na Internet uma versão de que o George W. Bush era o presidente de menor QI de todos os tempos. Mas isso era um hoax. É falso. O QI estimado do Bush filho é moderadamente alto, entre 120 e 130, o suficiente para ele ser enquadrado no percentil 95 da população americana. É um QI de respeito.
O exemplo do Bush filho, famoso pela forma desastrada de tomar decisões importantes (ele alegadamente dizia que pensava como um “homem do povo”) ilustra bem um conhecimento contraintuintivo, mas que vem sendo desvendado pela ciência nos últimos anos: a correlação entre indicadores de inteligência e de racionalidade é baixa ou inexistente. Tratei disso  neste artigo aqui. Em outras palavras, inteligência não é vacina contra decisões ruins. Inteligência é algo sobrevalorizado.
Para usar um outro exemplo instrutivo, os americanos de origem asiática são um percentual bem pequeno da população dos EUA, mas tem uma participação muito alta nas melhores universidades daquele país. O QI médio desses universitários de origem asiática não é superior ao dos americanos de outras origens e em vários casos é ligeiramente inferior, como mostra Roy Baumeister em um livro que traduz o conceito de auto-regulação para uma linguagem acessível. O que os difere é justamente um alto escore nessa dimensão que mais explica o sucesso na vida, no estudos etc. A auto-regulação pode ser traduzida, grosso modo, como auto-controle (manifestado em facetas como força de vontade, disciplina e persistência).

Necessidades humanas e comportamento

Há um ponto frequentemente esquecido em diversos contextos que envolvem relacionamento social (por exemplo: relações nos condomínios, no trabalho, na família, entre Fisco e contribuinte, entre marcas e seus consumidores). Os seres humanos têm necessidades inatas e que frequentemente estão adormecidas nesses relacionamentos, mas que podem ser ativadas para elevar a qualidade das relações. Ninguém vai errar se considerar que, em conjunto:

– As pessoas querem se sentir ouvidas. Querem sentir que tem voz, que são respeitadas e que sua opinião é levada em conta.

– As pessoas precisam sentir progresso nas dimensões importantes do ente com quem se relacionam.

– As pessoas querem se sentir parte de algo maior.

– As pessoas querem espaço para se desenvolver, para aprender e enfrentar desafios.

– As pessoas querem se sentir bem e se divertir.

– As pessoas querem se conectar com outras pessoas.

– As pessoas querem perceber justiça no relacionamento.

– As pessoas querem conveniência e facilidade.

– As pessoas querem se sentir a origem de seu comportamento (autonomia).

– As pessoas precisam gostar da outra parte no relacionamento.

O que pode variar é a tecnologia social para dar vazão a essas necessidades intrínsecas. Mas frequentemente essas necessidades são ignoradas porque não fazem parte do modelo mental das pessoas com poder de decisão nos relacionamentos. Muitas vezes o modelo operante do ser humano é aquele mais raso: calibre recompensas e punições e ponto final. As evidências científicas mostram que o atendimento das necessidades humanas mais nobres gera resultados bem melhores. Tratei disso na minha apresentação no congresso internacional de marketing social, realizado em Toronto (Canadá) no último mês de abril. Saiba mais aqui.

Criminalidade e (ir)racionalidade

Assassino de criança deveria pegar, no mínimo, prisão perpétua. Mas no Brasil os criminosos são tratados como coitadinhos. Esse caso do menino, filho de bolivianos, que entregaram mais de 4 mil reais aos assaltantes e mesmo assim tiveram o filho executado, é uma prova da inversão de valores no Brasil. Onde está a racionalidade neste pais? Renan Calheiros (que deveria ter sido um dos objetos dos protestos mas que soube se entender bem com o tal “movimento”) pôs em votação urgente um projeto instituindo transporte “grátis” para todos os estudantes brasileiros, com recursos do pré-sal (!!!!). É irracionalidade demais. Enquanto isso, muita gente inocente, como essa pobre criança, vai continuar morrendo no Brasil diariamente, porque os problemas de fundo continuam ignorados e porque os falsos problemas recebem falsas soluções, piorando o bem-estar do pais e afundando a gestão e a racionalidade.

O incrível protesto das mães sem creche

Alguém viu a incrível passeata das mães sem creche na cidade de São Paulo? Não viu e não verá: esse protesto tem chance quase nula de acontecer. Mas imagine, leitor, por um momento, uma multidão de mães trabalhadoras, marchando de todas as periferias da cidade, em direção à Avenida Paulista, carregando nos ombros seus filhos e seu cansaço. Imaginou?

Em meio a um inacreditável inabilidade de comunicação dos governos estadual e municipal (mais sobre isso adiante), a cidade de São Paulo vem vivendo alguns momentos Woodstock. Sensibilizados por cenas e relatos de agressões de policiais a jornalistas e manifestantes, motivados por uma sensação difusa de insatisfação contra governos em geral, muita gente vem engrossando as fileiras de manifestantes, para protestar “contra tudo”. Atores e várias pessoas famosas fazem questão de estar presentes em eventos que, como gostam de dizer os marketeiros, “viralizaram”. Mas alguém viu as mães sem creche na multidão?

Contra o que vem protestando tantos cidadãos, a maior parte, ao que parece, composta por pessoas bem intencionadas? Os protestos iniciais foram realizados contra o aumento nas tarifas do transporte coletivo. Aumento de preço é sempre impopular, mas há um elemento pouco discutido que estava embutido na demanda inicial (anulação do aumento ou mesmo transporte “gratuito” para todos). Esse elemento é o subsídio existente atualmente para o transporte público. Subsídio é dinheiro público. Aplicação de dinheiro público é resultado de priorização. Mas o que tem as mães sem creche a ver com isso?

Os protestos evoluíram do tema transporte público para um festival de temas genéricos: no grande protesto de 17 de junho, participantes brandiam cartazes e frases contra a corrupção, a favor da paz, a favor de um país melhor, contra os governos e outros mantras genéricos. É verdade que uma miríade de temas mais concretos também fez parte dos motivos, cartazes e bandeiras. Mas essa falta de foco e o agrupamento de temas desconexos são pouco produtivos. De um lado, temas genéricos tendem a ter a concordância de todos: até corruptos e assassinos tendem a apoiar sua versão de paz e de honestidade. De outro lado, quando o protesto é contra tudo, ele se torna um protesto contra nada. Essa falta de foco é provavelmente reflexo de uma democracia pouco praticada e da imaturidade política típica de países subdesenvolvidos. No Brasil não há mecanismos sociais que canalizem os movimentos de indignação, hoje frequentemente restritos à Internet. Os partidos políticos no Brasil são arremedos de instituições. Não há espaço real e organizado para discussão de ideias e para formação de lideranças orientadas para um propósito maior: o desenvolvimento social e econômico do país. A política é, via de regra, caminho para enriquecimento ilícito e manutenção de privilégios. Mas o que as mães sem creche tem a ver com isso?

Parece haver uma crença em alguns setores da sociedade de que os recursos públicos são infinitos. Não são. Os protestos iniciais defendiam a “gratuidade” nas passagens. Ora, gratuidade é um conceito que, em se tratando de políticas públicas, não existe. Alguém sempre paga o custo. Nem mesmo a chamada “meia entrada” é meia: o subsídio recai nas costas da minoria que paga ingresso integral (veja mais aqui). Governar é fazer escolhas. Quando os governos priorizam determinadas áreas, outras serão necessariamente menos atendidas, porque o orçamento e os recursos são finitos. Segundo dados divulgados pelo prefeito Haddad, o custo da “gratuidade” das passagens de ônibus bateria nos R$ 6 bilhões anuais. De onde sairia esse dinheiro? Que área deixaria de ser melhor assistida? Algum manifestante (ou seus pais) estaria disposto a triplicar ou quadruplicar seu IPTU (que já cresceu muito em termos reais nos últimos anos por conta da bolha imobiliária) para fazer frente a esse gasto? A arrecadação total do IPTU em 2012 não pagaria a totalidade dos subsídios para um transporte público “gratuito” para todos e qualquer aumento de arrecadação não gera recursos livres, por conta de vinculações obrigatórias. Seu IPTU teria mais do que dobrar para dar conta de tamanho subsídio.

De onde sairia o dinheiro? A pergunta principal nem é essa. A pergunta correta é: que área teria seus recursos diminuídos para aumentar o subsídio ao transporte público? Se os manifestantes estão preocupados com as condições sociais dos trabalhadores, deveriam prestar atenção a alguns problemas ainda mais graves. Aqui voltamos a tratar das mães sem creches. Poucos problemas tem consequências tão desumanas quanto a falta de vagas em creches municipais. O déficit de vagas em creches, para crianças de 0 a 4 anos, equivale a 111 mil vagas, de acordo com essa reportagem recente do Estadão. O governo municipal anterior estimava zerar o déficit apenas em 2020. Considerando um custo por criança de R$ 10 mil (estimado a partir da informação dessa reportagem), zerar o déficit implica um custo aproximado de R$ 1,1 bilhão, apenas com a construção das creches, sem considerar sua custosa operação. É o mesmo valor, em termos aproximados, do subsídio já existente do transporte municipal. Governar é fazer escolhas. Se você, leitor, tivesse de escolher, e considerando o cobertor sempre curto do orçamento, para que área você daria prioridade?

Assisti hoje, com preocupação, notícia indicando que o prefeito Haddad cogita anular o aumento de tarifa do transporte. Isso implica aumentar o subsídio. De que área social esse dinheiro será tirado? Onde está a racionalidade nisso tudo? Quando analisamos políticas públicas, tendemos a considerar apenas as consequências das ações. Como lembra o pesquisador americano Jonathan Baron, sofremos de um viés de omissão. As consequências das ações não tomadas não costumam entrar na nossa análise. Deixar de construir creches tem uma boa probabilidade de não incomodar a sociedade, ainda que as consequências sejam cruéis.

Para terminar, gostaria de abordar o que eu vejo como falhas gritantes de comunicação do governador e do prefeito. Comecemos pelo segundo.Onde errou Haddad? Errou ao não explicar a que equivale o custo de R$ 6 bilhões. Números abstratos comunicam muito pouco. O valor, diga-se,corresponde a 5 estádios do Maracanã por ano. São Paulo não conseguiu nem zerar o enorme déficit de vagas em creches. Como visto acima, o que falta para construir as creches está na mesma escala de valores do que a prefeitura de São Paulo já gasta atualmente com os subsídios ao sistema de transportes públicos.

Onde errou Alckmin? Errou ao não comunicar de forma consistente uma mensagem clara: protestos fazem parte da democracia, mas vandalismo não. Destruir bens públicos é agredir a população. Além disso, o governo paulista, ao não se preparar para situações como o descontrole policial, passou de potencial vítima (por conta das depredações, que sumiram da narrativa) para algoz. Esse tipo de situação provavelmente seria identificada caso o governo paulista utilizasse uma técnica conhecida como pré-mortem, desenvolvida pelo especialista em experts e consultor Gary Klein (nesse link você lê mais sobre pre-mortem).

Um ponto importante, que eu deixo para sua reflexão: Até quando vamos tolerar interdições por protestos no eixo da Avenida Paulista, importante corredor para diversos hospitais públicos e privados? Espero que você, leitor, nunca precise depender da boa fluidez do trânsito para atendimento de uma emergência médica. A sensação é desesperadora. Vamos esperar alguém morrer sem atendimento porque ficou preso no trânsito para repensarmos a ocupação de tão importante espaço público?

A vida como ela não é

Quem está acompanhando as notícias e a repercussão das manifestações ocorridas na cidade de São Paulo esta semana provavelmente se deparou com um festival de análises e opiniões que populam o espaço entre 2 extremos: totalmente contra, de um lado e totalmente a favor, de outro. A maioria das análises que eu li na imprensa e a maioria das opiniões de pessoas que eu ouvi tendem a se concentrar próximo a um dos dois extremos, com algumas poucas levando em conta argumentos contrários e favoráveis. Sem entrar no mérito da questão, a forma como cada indivíduo ou órgão de imprensa analisa a questão depende de seus modelos mentais prévios (e automáticos), de seus valores, de sua visão de mundo.
Esse é um exemplo perfeito de como a realidade social é construída por versões que vão predominar sobre outras e de como, nesse processo, nós reproduzimos o “realismo ingênuo” (näive realism). Esse fenômeno, com ampla comprovação científica e consequências práticas, se manifesta na crença individual ou coletiva de que a realidade observada por nós é objetiva e na crença decorrente de que quem não partilha da mesma percepção só pode estar enviesado ou mal informado. Isso, somado a alguns outros vieses cognitivos, cria uma “tempestade perfeita” para impedir o diálogo entre partes que pensam e tem interesses diferentes e para impedir ou dificultar negociações. Conhecer a descrição desse fenômeno pode até levar a uma imediata concordância com a ideia, mas nossa tendência é continuar achando que isso só se aplica aos outros.
A realidade é multifacetada (para ficar no mesmo exemplo, as manifestações não foram só “baderna” ou só “agressão policial” ou só contra o aumento de 20 centavos, conforme análises que eu ouvi). Nossa versão dessa realidade, construída automaticamente de acordo com nosso mindware, é apenas uma das versões possíveis, ainda que pareça objetiva. Em nível coletivo, algumas dessas versões, combinadas, é que vão prevalecer. Isso não quer dizer que vale tudo: é possível avaliar se a análise de determinado fenômeno social levou em conta suas diversas facetas e se alguns outros critérios de racionalidade foram atendidos (nesse sentido, gosto muito da metáfora do barco de Neurath – discutida em um dos livros do Keith Stanovich – assunto para outro post).

Comportamento de pagar tributos

Um livro que vale a pena ser lido, desta vez na área de comportamento tributário, é o The Economic Psychology of Tax Behavior (2009), do Erich Kirchler (Universidade de Viena). É um dos raros casos de trabalho que soube conciliar a visão econômica do comportamento de pagar tributos com a visão comportamental, que agrega variáveis com reconhecida influência causal (conforme as evidências científicas) sobre esse comportamento, como a confiança no Fisco, as percepções de justiça (fairness) e o que ele chama de “clima tributário”. O livro também discute dois paradigmas importantes de atuação do Fisco: o Fisco eminentemente repressor versus o Fisco que propicia um clima colaborativo aos contribuintes.

O livro também está disponível para o Kindle: http://www.amazon.com/Economic-Psychology-Tax-Behaviour/dp/0521757479/

 

Aquecimento global

Terminei de ler o excelente “The signal and the noise”, escrito pelo estatístico americano Nate Silver. No livro, as tentativas de previsão em diversas áreas são analisadas, com seus sucessos e fracassos. O autor analisa áreas como os esportes, o mercado acionário, as eleições e o clima. O capítulo sobre aquecimento global deveria ser lido por todos aqueles seriamente interessados no tema. Reportagem da revista Veja de algumas semanas atrás trouxe uma visão muito superficial e incorreta sobre o assunto, dando a entender que tudo foi um modismo de alguns radicais verdes que passou. Não foi. O assunto é sério demais para ser tratado dessa forma. O risco é real e, quanto mais demoramos a agir, mais os efeitos deletérios da ação humana sobre o clima se acumulam. O livro de Silver trata o tema com o equilíbrio necessário. Vale a pena ler. Recentemente li também o último livro do economista (da Universidade de Cornell) Robert Frank – “Darwin economy”, em que ele menciona o modelo climático do MIT. Esse modelo trabalha com alguns cenários – em um deles, com 10% de probabilidade estimada, a vida como conhecemos neste planeta seria inevitavelmente comprometida. Até quando vamos fingir que o problema não existe?