O consumismo nosso de cada dia

Um fenômeno moderno, que vem se acelerando nos últimos anos, é o crescente custo (e sofisticação) de eventos e produtos do dia a dia. Por exemplo, antes da moda dos famigerados buffets infantis, as festas da criançada tipicamente envolviam chamar os melhores amigos para uma festinha simples com bolo e brigadeiro caseiros. Não me lembro em que momento os buffets passaram a ser tão presentes nas cidades brasileiras. Talvez de quinze anos para cá. O que sei é que em bairros nobres de São Paulo uma festa infantil, que dura em torno de 4 horas, chega a ultrapassar facilmente o valor de R$ 10 mil. Não apenas isso, mas novos atributos têm sido adicionados ao produto “festa infantil”, além das tradicionais lembrancinhas, do almoço para os convidados, dos docinhos gourmet. Hoje é comum que fotógrafos profissionais sejam contratados para retratar os momentos alegres da criançada e não é incomum que moços em trajes de super-heróis façam uma aparição durante o evento, por exemplo.

Mas se existe um evento que se sofisticou increvelmente nas últimas décadas foi o casamento. Hoje se contratam drones para filmar a chegada dos noivos. Padrinhos fazem aulas de dança para acompanhar os noivos na recriação de cenas clássica do cinema. Convites, roupas, Dia da Noiva, Dia do Noivo, buquê, viagem, decoração do salão, DJ, bolo… a lista é quase infinita. Leio no Globo.com que uma festa de casamento chega fácil na casa das centenas de milhares de reais, dependendo do bolso. Pergunte a seus pais como foi a festa de casamento deles para ter uma ideia da diferença de atributos e, principalmente, de custo.

Hoje os carros são renovados em prazos cada vez mais curtos. Mal se lança uma nova “geração” e três anos depois ela está morta. Há marcas que chegam a lançar no início de um ano o modelo já rotulado como o do ano seguinte. É preciso chegar na frente, inovar no design e nos atributos emocionais do veículo. Por outro lado, é comum no Brasil que o carro seja lindo, mas deixe de apresentar itens de segurança que em outros países são praticamente obrigatórios.

E o que dizer das máquinas de café em cápsula? Trata-se de um produto que veio para ficar, dizem os especialistas, e que vai ocupar nos próximos anos um pedaço gordo do mercado de café nacional. Mas o que dizer de um café que custa a partir de R$ 350,00 o kilo? Evidentemente, o preço das cápsulas embute toda a tecnologia desenvolvida e a estrutura de negócios montada, além, claro, de uma bela margem. Um outro exemplo é o das salas de cinema, com o surgimento de salas “vip” em que se paga o dobro ou o triplo do valor de um ingresso normal para se assistir a um filme com um grau de conforto inimaginável há dez anos.

O que chama a atenção é que essa sofisticação de hábitos de consumo, com o consequente encarecimento do produto, parece ser uma tendência generalizada.

O problema é que todas essas experiências de consumo têm não apenas um custo maior (que implica um comprometimento maior de nossa renda presente), mas sérias externalidades que repassamos para a sociedade e para as futuras gerações. Especialmente o uso crescente de recursos finitos do planeta, com consequências potenciais terríveis. Estaríamos, como planeta, muito melhor se nossos gastos tivessem outro perfil.

Ha autores acadêmicos que entendem que o materialismo da nossa sociedade é reflexo de necessidades psicológicas não atendidas e baixa autoestima. Eu acho essa explicação insuficiente. O economista Robert Frank, da Universidade de Cornell (EUA), entende que o que está em jogo é uma disputa darwiniana por status na sociedade, que faz com que as classes sociais mais altas consumam cada vez mais e que seu padrão de consumo seja replicado pelas classes mais baixas. Já o psicólogo Daniel Gilbert, da Universidade de Harvard, entende que o comportamento consumista é reflexo de algumas crenças (como a de que consumir nos torna mais felizes) que encontram um ambiente fértil na sociedade de consumo a qual, por sua vez, depende dessas crenças para se manter. Por sua vez, o professor Keith Stanovich, da Universidade de Toronto, destaca que o mercado de consumo é estruturado nas sociedades modernas para explorar necessidades humanas básicas e aspectos inatos da nossa estrutura mental, como a busca de satisfação imediata às custas de longínquos benefícios futuros.

A busca por status, ou por uma posição de destaque na sociedade e nos nossos grupos sociais, é um motorzinho que trazemos no nosso hardware mental, ensina a psicologia evolucionista. Faz parte da natureza humana e pode ser vista basicamente em qualquer sociedade ou grupo social. A natural busca por status parece ser um dos elementos da equação. Outro elemento é o conforto. Quem não gosta de ter a vida simplificada, de fazer menos esforço, de ter um produto de alta qualidade à disposição?

Do ponto de vista individual, os incentivos para entrar nessa roda de consumo (e de gastos) são bastante grandes. O que fazer quando todos os amiguinhos dos seus filhos fazem festa em buffet? Quem não gosta de ter um trabalhão poupado nesses casos? Ou o que dizer quando você consegue encaixar no seu orçamento o financiamento (supostamente “sem juros”) daquele carro novinho e mais espaçoso para a família? Quem resiste a uma boa promoção para comprar um novo eletrodoméstico que vai, de verdade, simplificar sua vida?

O fato é que estamos em uma espiral de consumo que cada vez mais exige que ganhemos mais, trabalhemos mais e passemos menos tempo com nossas famílias. Muitas vezes sem perceber, replicamos padrões de consumo que significam menos poupança e menos recursos no futuro – recursos que tenderão a fazer falta em um cenário de longevidade. O fato também é que a natureza humana nos coloca em posição de buscar sempre mais, pois os julgamentos que fazemos de satisfação com a nossa vida são sempre relativos. Julgamos nossa vida com a mesma régua com que medimos a vida dos nossos pares. Com isso, a espiral segue seu traçado. Como disse um anúncio recente de uma loja do ramo, trocamos de móveis como trocamos de roupa.

Não aponto esses exageros da sociedade moderna para propor uma solução socialista ou qualquer dessas excrescências bolivarianas que infelizmente ainda povoam mentes latino-americanas. As variáveis em jogo são complexas e independem de indivíduos. O mundo não vai mudar se você resolver ficar de fora da chamada corrida dos ratos. Também não vai mudar se um grupo de “iluminados” passar a ditar como devemos nos comportar. Para mudar esse cenário é preciso, na minha opinião, atuar dentro das regras de mercado e com suas próprias ferramentas.

Algumas propostas parecem promissoras, como a ideia de Robert Frank de tributar o consumo em vez da renda – imagine que seu imposto de renda considerasse não seus rendimentos como base de tributação, mas tudo aquilo que você não poupou. Não sei se a proposta de Frank é viável, considerando seus possíveis efeitos redistributivos em termos de investimento e considerando a crença arraigada de que o crescimento da economia é o objetivo final dos gestores públicos. Outra forma de atacar o problema é a proposta pelo professor do MIT e grande nome do pensamento sistêmico John Sterman. Para ele, o ritmo de crescimento da população mundial simplesmente inviabiliza o planeta e seria necessário repensar a estrutura de consumo de nossas sociedades. Mais importante, seria fundamental alterar a forma como os gestores públicos enxergam o problema do consumismo exarcebado, pois tipicamente eles não compreendem sua natureza sistêmica. Clique aqui para ler o fantástico texto em que Sterman explica como estamos nos encaminhando para o colapso. Outros autores apontam para a mudança de paradigma representada pelo abandono do PIB como farol da sociedade. No novo paradigma, o que importa são índices que capturem o bem-estar da sociedade e o desenvolvimento humano, o que tende a colocar menos peso no consumo de bens e serviços. Como em todo problema social hipercomplexo, a solução para o consumismo exarcebado provavelmente envolverá uma abordagem múltipla e sistêmica, cujo desenho ainda parece estar em seu início.