Artigo publicado em 2008 na Revista Agroanalysis (FGV), com Marcos Fava Neves
O setor de biodiesel no Brasil parece estar, neste ano de 2008, em uma encruzilhada: a falta de sistemas produtivos estruturados das matérias-primas inicialmente consideradas para a produção do biocombustível (mamona, dendê etc.) levou a maioria das empresas do setor a optar pelo óleo de soja como matéria-prima predominante. Todavia, a soja foi uma das commodities agrícolas que teve o preço internacional bastante elevado desde 2006, caracterizando o que ficou conhecido como agflação ou inflação agrícola. Dessa forma, as evidências parecem apontar para um problema de definição de matérias-primas predominantes para que a produção de biodiesel seja economicamente vantajosa.
Esse cenário incentiva o desenvolvimento dos biocombustíveis a partir do uso de matérias-primas que não concorram com a indústria alimentícia ou que não tenham custo de oportunidade elevado, levando-se em conta sua cotação internacional, como é o caso do óleo de mamona. Nessa linha, o pinhão manso parece ser um dos produtos agrícolas de maior potencial para se consolidar como matéria-prima para o SAG do biodiesel. A oleaginosa vem sendo objeto de pesquisas pela EMBRAPA, tem grande produtividade de óleo e dois apelos que tendem a ser valorizados do ponto de vista da sustentabilidade: o fato de não ser comestível e poder ser plantado em diversos tipos de terrenos, inclusive os pouco férteis. O pinhão manso possui também ciclo produtivo que pode se estender por mais de 40 anos, além de ser propício para absorver mão-de-obra não qualificada. Outras matérias-primas como o dendê (indicado especialmente para a Região Norte), o amendoim e o girassol podem também se consolidar, pela alta produtividade de óleo que possuem, entre outros fatores. O processo de amadurecimento da indústria tende a eliminar algumas das diversas matérias-primas cogitadas para a produção de biodiesel, com a provável convergência para poucos insumos ou mesmo para uma opção predominante. Um paralelo histórico pode ser traçado com o álcool de mandioca, que foi considerado, nos primórdios do PRO-ÁLCOOL, uma alternativa promissora.
Ataques aos biocombustíveis. Como resultado de lobbies contra os biocombustíveis, verifica-se atualmente um viés contra os biocombustíveis na imprensa mundial e no programa energético de diversos países. Como identificou a revista The Economist, a principal causa do aumento recente dos preços internacionais dos grãos foi a política americana de subsídio ao etanol de milho, responsável por arregimentar um terço da produção americana do cereal, além de promover incentivo à plantação de milho em detrimento de outros grãos. Todavia, o etanol americano passou a ser sinônimo de biocombustível e todos eles, sejam sustentáveis ou não, passaram a ser acusados de causar alta de preço de alimentos e fome no mundo. O esforço de comunicação do governo brasileiro tem sido tímido e não tem sido capaz de demover os mitos criados, especialmente em relação ao etanol. Metas de adição de etanol ou biodiesel têm sido revistas: o primeiro-ministro da província de Ontário (Canadá) anunciou revisão da meta de adicionar 10% de etanol à gasolina em 2010 por preocupações com relação ao efeito no preço dos alimentos. Por sua vez, a União Européia, que tinha como meta a substituição de 10% dos combustíveis dos transportes terrestres em 2020, parece se distanciar dos biocombustíveis para atendimento dessa meta, admitindo a busca por outras fontes de energia, como a eletricidade e o hidrogênio, embora admita a importação de biocombustíveis do Brasil, desde que o país atinja critérios de sustentabilidade.
A coordenação no SAG do biodiesel, no cenário atual, é também dificultada, paradoxalmente, pela globalização, fenômeno que costuma estar associado aos sistemas de agribusiness, ensejando diferentes ambientes institucionais nos vários países. Diferentes especificações para o biodiesel na Europa, Estados Unidos e Brasil constituem um obstáculo para a constituição de um mercado internacional de grandes volumes do produto. A Europa, por exemplo, estabelece exigências para que o biodiesel tenha condições de ser usado puro (B100) nos automóveis e essas especificações são bastante diferentes do biocombustível produzido aqui. No Brasil, preocupou-se principalmente em estimular a produção, favorecendo-se uma estrutura de custos mais baixos. Dessa forma, a globalização tenderá a ser benéfica à exportação do biodiesel brasileiro na medida em que se verifique um movimento em direção à padronização internacional do produto.
A partir da análise do macroambiente, foram identificados oportunidades e ameaças para o setor, conforme tabela 1.
Tabela 1 – Resumo das oportunidades e ameaças ao SAG do biodiesel
Oportunidades | Ameaças |
Possibilidade de exportar para países da Europa, Ásia e Estados Unidos | Indefinição quanto às matérias-primas predominantes |
Necessidade de os Estados Unidos reduzirem sua dependência por combustíveis fósseis | Alta nos preços internacionais do óleo de soja e de outras matérias-primas |
Interesse governamental em desenvolver o SAG do biodiesel, especialmente pelo caráter social de projetos no Norte e Nordeste. Possibilidade de reduções tributárias e maior investimento em pesquisas | Especificidade dos ativos (de lugar, tecnológica) |
Ausência de enxofre no biodiesel favorece sua adição ao óleo diesel para atender especificações de combustíveis cada vez mais restritas | Lobbies contrários aos biocombustíveis. Pressão na União Européia para redução na meta de adição de biocombustíveis |
Conferência Climática de Copenhagen em 2009. No encontro do G-8 no Japão, em julho de 2008, os países mais industrializados admitiram a importância do papel das energias renováveis (com ênfase na sustentabilidade) no combate às mudanças climáticas e na redução da dependência de combustíveis fósseis. Comprometeram-se a cortar as emissões de gases do efeito estufa em 50% até 2050 | Sistema de transportes e logística ineficientes |
Possibilidade de utilizar biodiesel em aviões: Air New Zealand, em parceria com a Boeing, pretende substituir 10% de seu consumo por biodiesel (feito de matéria-prima “rústica” e não alimentícia) em 2013 e deve testar em 2008 o primeiro vôo de 747 com o biocombustível ainda em 2008. Similarmente, a Honeywell estabeleceu aliança com a Airbus e a JetBlue para pesquisar o uso de biocombustíveis sustentáveis na aviação comercial. | Redução da arrecadação tributária com a gasolina pode gerar pressões para aumento de alíquota nos biocombustíveis ou restringir benefícios fiscais |
Desenvolvimento de matérias-primas “rústicas” e não alimentícias, como o pinhão manso | Possibilidade de não serem atingidos os critérios de sustentabilidade exigidos pela União Européia ou outros países que sejam potenciais importadores |
Desenvolvimento de estratégia comercial para identificar células comerciais que valorizam o aspecto sustentável de sua cadeia de suprimentos | Risco de disrupção na oferta. |
Possibilidade de desenvolver estratégia para quantificar o valor percebido do biodiesel e para ensinar os clientes a enxergar valor (especialmente o caráter de sustentabilidade) | Falta de controle e falhas na regulação de mercado por parte da ANP |
Preço dos fertilizantes em alta pode pressionar ainda mais os custos das matérias-primas | |
Demanda incerta por biodiesel no mercado internacional |
Como resultado da análise ambiental, são apresentadas 15 recomendações estratégicas para o SAG do biodiesel:
1 – Intensificar junto aos governos estaduais e federal os esforços para a desoneração parcial ou total de tributos, a uniformização da legislação do ICMS e a concessão de benefícios fiscais para os investimentos em ativos.
2 – Pesquisar matérias-primas modificadas geneticamente e intensificar as pesquisas com o pinhão manso e com novas tecnologias de processos. Favorecer matérias-primas com maior rendimento de óleo por hectare do que a soja, como o pinhão manso e o dendê, que sejam propícias também a projetos de integração social, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. Esse tipo de matéria-prima favorece também o aspecto da sustentabilidade, além de possibilitar a geração de empregos.
3 – Especificação: Trabalhar pela unificação internacional das normas técnicas para a determinação da qualidade dos biocombustíveis. A padronização do produto facilita a formação de um mercado internacional e a obtenção de ganhos de escala. Incentivar a produção e o uso de materiais de referência certificados.
4 – Desenvolver mecanismos de certificação para as plantações sustentáveis, de modo a facilitar sua exportação e reduzir objeções internacionais.
5 – Estudar a possibilidade de integração com o SAG do etanol, através de plantas industriais integradas, que diluiriam o risco de dependência de dois produtos (biodiesel e glicerina) no SAG do biodiesel.
6 – Desenvolver parceria com a UNICA, com a NBB (National Biodiesel Board) e associações européias e indianas (pelo fato da Índia ter interesses comuns: país do BRIC, faz experimentos para a produção de biodiesel a partir do pinhão-manso, produz açúcar e pode vir a produzir etanol) para campanha informativa em nível mundial em favor dos biocombustíveis. O objetivo é desmistificar o suposto impacto da produção de biocombustíveis e biodiesel na oferta de alimentos e ressaltar sua característica favorável de sustentabilidade.
7 – Desenvolver infra-estrutura para a exportação de biodiesel, em parceria com a PETROBRAS, e aproveitar janelas de oportunidade, como a exportação para a Alemanha, que passou a tributar o biodiesel, desestimulando a produção local e para a China, que tem grande potencial por se tratar do país mais poluidor do planeta, além de outros países. Trabalhar pelos investimentos em logística e no sistema de transportes.
8 – Promover a utilização de biodiesel (B100) em ônibus e caminhões de forma a criar visibilidade, como foi feito na cidade de Curitiba, onde 12 ônibus rodarão abastecidos com B100.
9 – Promover a venda e garantir suprimento de biodiesel em percentuais maiores (B20, B30) para frotas de ônibus, caminhões e operadoras de transporte ferroviário, desde que contornada a obrigatoriedade de venda através de leilão da ANP.
10 – Buscar a antecipação da obrigatoriedade do B5 (previsto para 2013), para favorecer os investimentos, pela necessidade de atender à maior oferta requerida, possibilitando ganhos na curva de aprendizagem. Projetar cenário de longo prazo, pós-B5.
11 – Política de comunicação: Participação em feiras de clientes, nacionais e internacionais, para ressaltar o aspecto da sustentabilidade; utilização de assessoria de imprensa para divulgar, no exterior, opiniões de especialistas e histórias de sucesso.
12 – Desenvolver novos mercados para a glicerina produzida juntamente com o biodiesel.
13 – Utilizar o mercado futuro para hedge contra elevação do preço dos grãos e elaborar contratos de longo prazo, de fornecimento sustentável, especialmente com cooperativas.
14 – Unificar as duas associações existentes (ABIODIESEL e UBRABIO). Divulgar e manter o setor a par das novas tecnologias e melhores práticas na produção do biodiesel. Facilitar e incentivar a transição para a utilização das tecnologias mais recentes que possibilitam taxas de eficiência e rentabilidade mais altas.
15 – Intensificar pressões para o fim da obrigatoriedade da venda através de leilões da ANP, possibilitando a venda direta às distribuidoras, que tende a ser mais vantajosa.