Entrevista com uma deputada sueca

Fiz essa entrevista com a deputada sueca Hanna Gunnarsson durante a campanha passada, em que fui candidato a vereador em São Paulo. Queria entender melhor como eles trabalham no parlamento sueco e como eu poderia trazer lições para a câmara de vereadores de São Paulo. Segue:

1. É verdade que vocês não têm assessores, cafezinho e nenhuma mordomia?

Sim. A Suécia tem mais de 100 anos de uma sociedade igualitária. As pessoas são socializadas aqui para fazer as coisas juntas desde cedo e a criar sociedades, associações e organizações para realizar suas atividades coletivas. O trabalho político acaba sendo uma extensão natural disso. O salário de um deputado não é tão alto comparado a ocupações do setor privado e meu partido até gostaria de diminui-lo.

Nós temos café disponível (aqui se toma muito café) nos corredores, mas pagamos por ele e por tudo o que consumimos na lanchonete do Parlamento. Não temos assessores – o Parlamento contrata funcionários e os distribui para auxiliar os partidos nas comissões. Eu mesma participo de uma comissão em que a funcionária é dividida com outra comissão, isto é, ela fica apenas 50% disponível para a comissão em que estou. O que significa que eu preciso estudar mais os assuntos do que se tivesse um funcionário do Parlamento 100% dedicado nessa comissão.

Nós andamos de transporte público (metrô). Só em casos excepcionais, como ameaças de morte, fazem com que o deputado ande de taxi e seja reembolsado por isso. Apenas o primeiro-ministro usa um automóvel particular pago pelo Estado, além de seguranças.

Temos um pequeno apartamento simples que fica disponível para nós durante a semana, pois muitos de nós somos de outras cidades. Temos um cartão para usar os trens nos deslocamentos para as nossas cidades, no início e final da semana. Muitos, como é o meu caso nesta semana, ficam aqui no final de semana para poder estudar temas e propostas mais urgentes.

Pega muito mal na sociedade sueca um parlamentar dar mau exemplo, como cometer uma infração de trânsito ou ter hábitos de luxo. A mídia e a sociedade fiscalizam de perto e cobram muito. Já houve pequenos abusos e eles foram duramente cobrados pelos cidadãos. No fim das contas, o que se exige de nós é que sejamos exatamente como o cidadão comum, que é o que somos. Não somos especiais.

2. Como você vê seu trabalho?O que faz alguém querer ser deputada no parlamento sueco?

Como eu disse, nós temos aqui na Suécia uma longa tradição das pessoas trabalharem juntas desde cedo. É comum que um deputado comece pela política local e depois se candidate ao parlamento. Idealismo é uma força muito forte nesse processo.

É também muito comum que as pessoas fiquem apenas na função de deputado por 4 ou 8 anos, porque é um trabalho muito desgastante – pelas horas demandadas, pela vigilância constante a que estamos submetidos – e aqui não é visto como uma carreira, mas sim como uma contribuição à sociedade. A política aqui atrai pessoas normais, com os pés no chão e não atrai quem se interessa tanto por dinheiro, que prefere ir para o mercado privado.

O Estado dá dinheiro aos partidos para as campanhas políticas e é comum que parte desse dinheiro não seja gasto em determinada eleição e seja poupado para a próxima.

Depois de contribuir no parlamento, é comum que as pessoas vão trabalhar com outras atividades.

3. Quais são as maiores dificuldades no seu trabalho?

Acho que são mesmo as longas horas de trabalho, além da vigilância a que somos submetidos.

4. Quais são os maiores desafios no atual panorama socioeconômico na Suécia?

Temos tido muitas dificuldades com mudanças sociais, como a necessidade de mais moradias, pessoas nas ruas e doenças mentais. Além, claro, das mudanças climáticas, que são evidentes aqui: os invernos estão cada vez mais quentes, temos menos neve.

5. Por falar nisso, como a emergência climática é entendida atualmente na Suécia e quais políticas têm sido colocadas em prática para enfrentar o problema?

Um primeiro ponto é que todos os partidos aqui, até o partido populista (de direita) aceitam que o problema climático é real. Alguns deles até dizem que é mudança natural, não causada pelo ser humano, mas esses são poucos. O consenso é quase completo sobre a causa (humana) do problema. A diferença está nas soluções propostas. Nós (de esquerda) propomos políticas comandadas pelo Estado, com uso de tributação, por exemplo. Eles (de direita) preferem medidas que as empresas coloquem em prática.

Como você sabe, nós temos na Suécia a Greta Thunberg, cujos esforços têm sido muito importantes para transmitir à sociedade a urgência do problema. A dificuldade maior que eu vejo é mudar o estilo de vida das pessoas, especialmente as mais velhas, que querem continuar viajando de avião pelo mundo, entre outros comportamentos. Aqui na Suécia se viaja muito pra fora e nós estamos acostumados com um padrão de vida muito alto.

Eu vejo a dupla necessidade: mudar o sistema e mudar o estilo de vida das pessoas. Entendo que mudar o estilo de vida será mais fácil com as gerações mais jovens, que já estão crescendo conscientes do problema e dispostas a questionar como seu comportamento contribui para o problema.

6. Há mecanismos institucionais no sistema legislativo sueco para avaliar as políticas públicas em termos de evidências e efeitos sistêmicos?

Sim. Há cientistas, independentes do governo, trabalhando em organizações fora do Parlamento para avaliar as políticas públicas. Precisamos sempre avaliá-las para saber se as leis que votamos estão, de fato, funcionando. Essa avaliação precisa ser sempre independente do governo. Nossas universidades também foram estruturadas para isso e colaboram com o processo de avaliação.

7. Hanna, muito obrigado pela conversa, foi muito proveitosa e tenho certeza que meus amigos brasileiros gostarão de ler sobre o exemplo que vocês dão para nós e que me inspira na minha campanha a vereador aqui na cidade de São Paulo.

Obrigada e desejo muita sorte na sua campanha.