Quem está acompanhando as notícias e a repercussão das manifestações ocorridas na cidade de São Paulo esta semana provavelmente se deparou com um festival de análises e opiniões que populam o espaço entre 2 extremos: totalmente contra, de um lado e totalmente a favor, de outro. A maioria das análises que eu li na imprensa e a maioria das opiniões de pessoas que eu ouvi tendem a se concentrar próximo a um dos dois extremos, com algumas poucas levando em conta argumentos contrários e favoráveis. Sem entrar no mérito da questão, a forma como cada indivíduo ou órgão de imprensa analisa a questão depende de seus modelos mentais prévios (e automáticos), de seus valores, de sua visão de mundo.
Esse é um exemplo perfeito de como a realidade social é construída por versões que vão predominar sobre outras e de como, nesse processo, nós reproduzimos o “realismo ingênuo” (näive realism). Esse fenômeno, com ampla comprovação científica e consequências práticas, se manifesta na crença individual ou coletiva de que a realidade observada por nós é objetiva e na crença decorrente de que quem não partilha da mesma percepção só pode estar enviesado ou mal informado. Isso, somado a alguns outros vieses cognitivos, cria uma “tempestade perfeita” para impedir o diálogo entre partes que pensam e tem interesses diferentes e para impedir ou dificultar negociações. Conhecer a descrição desse fenômeno pode até levar a uma imediata concordância com a ideia, mas nossa tendência é continuar achando que isso só se aplica aos outros.
A realidade é multifacetada (para ficar no mesmo exemplo, as manifestações não foram só “baderna” ou só “agressão policial” ou só contra o aumento de 20 centavos, conforme análises que eu ouvi). Nossa versão dessa realidade, construída automaticamente de acordo com nosso mindware, é apenas uma das versões possíveis, ainda que pareça objetiva. Em nível coletivo, algumas dessas versões, combinadas, é que vão prevalecer. Isso não quer dizer que vale tudo: é possível avaliar se a análise de determinado fenômeno social levou em conta suas diversas facetas e se alguns outros critérios de racionalidade foram atendidos (nesse sentido, gosto muito da metáfora do barco de Neurath – discutida em um dos livros do Keith Stanovich – assunto para outro post).