Seu chefe não é mais seu pai (ou mãe)

O post de hoje trata de dois textos recentes que indicam o que parece ser o futuro da gestão e das organizações. Recentemente o tema complexidade entrou no radar dos acadêmicos da Administração, em boa parte como reflexo de um movimento mais amplo. Esse movimento se iniciou há algumas décadas com o Instituto Santa Fe nos Estados Unidos e com a busca de uma abordagem científica interdisciplinar para lidar com fenômenos naturais e sociais que não cabem em caixinhas ou abordagens reducionistas. Hoje, felizmente, não apenas se reconhece que a gestão ainda lida de forma simplista com um mundo cada vez mais complexo, como também hoje se reconhece que o modelo de organização que herdamos do século XX não serve mais: não prepara as organizações para lidar adequadamente com as turbulências do macroambiente, não extrai o melhor das pessoas (pelo contrário) e não dialoga com a sociedade.

Os dois textos indicados a seguir são uma amostra representativa dessa busca por novos paradigmas de gestão. Vale a pena entrar nesse diálogo.

O primeiro texto (leia aqui) é do consultor Steve Denning, que escreve para a revista de negócios Forbes. A contribuição aqui é, na verdade, um resumo do que foi o último fórum Peter Drucker, realizado na Áustria no ano passado (2013). O que se constatou na reflexão que foi feita naquele fórum sobre o grande legado de Drucker?

  • Peter Drucker teria encarado o fato de que apenas 11% da força de trabalho é apaixonada pelo que faz como nada menos do que uma tragédia humana. O aproveitamento do talento humano era um tema que ocupava sua atenção e para o qual ele não tinha respostas satisfatórias, ainda que tivesse esperança de encontrá-las.
  • Nossas organizações estão em sérios apuros. O modelo hierárquico do séxulo XX que todos conhecemos simplesmente não funciona mais – ele mata a inovação, mata o entusiasmo das pessoas e mata a confiança.
  • Novos modelos estão surgindo e representam uma séria ruptura no modelo mental vigente há quase um século. Apenas mudando as organizações é que se conseguirá ter o tipo de liderança que a sociedade requer. Sem mudar o ambiente organizacional, não há como ter mudança real.
  • As organizações devem evoluir em torno de cinco dimensões importantes: propósito, estrutura, coordenação, valores e comunicação.

O segundo texto é da professora da London Business School Lynda Gratton. Leia aqui. Na verdade, é um pequeno trecho de seu livro mais recente. Nele, ela desenha o paradigma que está sendo criado para o desenho de organizações duradouras e eficazes. Destaco os seguintes aspectos:

  • As melhores organizações são aquelas preparadas para extrair o melhor da inteligência e da sabedoria de uma infinidade de cérebros que se vinculam a elas. Elas desenvolvem ferramentas colaborativas para orquestrar o uso desses recursos, costuram redes de relacionamento para desenvolver inovação e focam no bem-estar e na vitalidade emocional dos integrantes dessas redes.
  • Como lembra a professora Barbara Kellerman (no livro The End of Leadership – que recomendo fortemente também), a liderança corre o risco de se tornar obsoleta. Não que os líderes deixarão de existir – isso não acontecerá. Ocorre que o seguimento (followership) hoje é mais importante do que a liderança. Isto é, aquela visão antiga de equipes de trabalho em que os liderados apenas esperam passivamente por instruções do chefe é coisa do passado. Hoje se espera que os “liderados” sejam seguidores ativos (e é preciso criar condições para que isso ocorra).
  • As organizações, para sobreviver, vão depender cada vez mais de uma bússola moral que guiará as pessoas, criando valores e princípios .
  • A estrutura hierárquica tradicional que conhecemos cada vez mais é coisa do passado.
  • Igualmente, o típico relacionamento paternalista de trabalho (parent-child) está com os dias contados. No novo paradigma, o funcionário deixa de ser visto como criança (com todas as implicações decorrentes dessa visão) e o relacionamento com a organização segue a linha de adulto para adulto.  Com isso, aumentam tanto a autonomia do profissional quanto sua responsabilidade.

Enfim,  é um novo mundo, com novos paradigmas que clamam por uma revisão de modelos mentais de gestão e por uma dolorosa mudança em culturas organizacionais. Você está preparado para ele?

 

Desafios da gestão e desafios dos relacionamentos

Seguem duas indicações de rápidas leituras bem interessantes.

A primeira delas, da consultoria brasileira Amana-Key, resume com rara felicidade os principais desafios que toda organização enfrenta nos dias de hoje e para os quais ainda não há soluções disseminadas, embora haja alguns caminhos promissores. Segue o link:  www.amana-key.com.br/newsletters/jul2014

A segunda indicação trata dos efeitos no nosso cérebro da difícil arte de lidar com pessoas, em especial no que diz respeito a dar (e receber) feedback negativo e positivo. O que se sabe é que os efeitos de uma crítica mal feita são duradouros e muito mais poderosos do que os de um elogio. Não se trata de não dar feedback negativo às pessoas (em qualquer relacionamento!), mas sim da maneira correta como isso deveria ser feito. Como está claro no texto a seguir, há poucas coisas mais prejudiciais a um relacionamento de qualidade de longo prazo do que a pessoa que entra em discussões com opiniões já formadas, preocupada apenas em fazer com que os outros a aceitem e que não consegue ouvir e ter empatia com outros pontos de vista. Vale a leitura também (é curto) e a reflexão: http://blogs.hbr.org/2014/06/the-neurochemistry-of-positive-conversations/

Os efeitos do poder e a gestão das organizações

De acordo com as evidências científicas mais atualizadas, o poder faz com que as pessoas tendam a:
– Priorizar seus próprios objetivos e desejos, em detrimento dos objetivos e desejos das outras pessoas
– Deixar de considerar as perspectivas de terceiros
– Ser menos cortezes
– Agir de forma mais impulsiva e procurar satisfazer caprichos
– Desconsiderar os sentimentos das outras pessoas
– Ter maior probabilidade de interromper as outras pessoas em conversas
– Olhar menos nos olhos de outras pessoas – que ocupam menor posição de poder – quando estas estão falando (existe até um coeficiente para isso… quem está em posição de poder demanda o olhar do “subordinado”, mas gasta bem menos tempo olhando para ele)
– Agir de forma mais hostil
– Ter seriamente debilitada a mesma inteligência social que as levaram inicialmente à posição de poder (fenômeno conhecido como o paradoxo do poder – a pessoa que chegou ao poder sendo amigavel, atenta aos outros, deixa de sê-lo)
– Agir para preservar seu poder, atuando até agressivamente quando percebem que seu poder está ameaçado
– Considerar relações que podem ser amistosas como meramente instrumentais, enfraquecendo a qualidade dos relacionamentos sociais de que participam
– Julgar as outras pessoas de forma superficial
– Racionalizar comportamentos anti-éticos
– Ter distorcida sua habilidade para analisar informações complexas e tomar decisões com base nessas informações (adotando uma visão que ignora nuances)
 – Superestimar sua virtude moral e, portanto, repelir maior transparência ou maior monitoramento sobre suas ações.
Agora pensem em todas as pessoas que vocês, ao longo da carreira profissional ou mesmo da vida, viram mudar da água para o vinho quando assumiram uma posição de poder. Ou pensem naqueles que vocês já conheceram em posição de poder, nos diversos contextos (familiar, organizacional, social, político).
Reflitam ainda: É fácil ocupar posição de poder?
Evidentemente, nem todo o mundo que terá algum grau de poder exibirá parte ou mesmo todos os efeitos listados acima. O fato de a força situacional ser invisível, imperceptível e fortíssima não quer dizer que seus efeitos serão inevitáveis. Ou pelo menos as piores manifestações dos efeitos acima não necessariamente vão se materializar, mas as tendências existirão. É por isso que grupos sociais na gestão de qualquer organização precisam estar atentos e precisam estruturar processos de trabalho e de decisão que levem em conta essas tendências.
Os conflitos nos grupos sociais são inevitáveis. Melhor do que imaginar um cenário absolutamente irreal (sem conflitos) é aceitar esse fato (potencialmente doloroso) e tomar medidas para lidar com conflitos , com as naturais divergências de opinião e com os potenciais efeitos do poder sobre as pessoas.

Triste mundo do trabalho

Esta reportagem que saiu no Washington Post (leia aqui) traz dados de estarrecedora pesquisa recente. As mulheres sentem menos stress (medido pelo hormônio cortisol) no trabalho do que em casa. Mas isso não significa que o trabalho é que está contribuindo para bons resultados na vida das pessoas. Pelo contrário.  A forma como o trabalho é organizado é que leva a situações como essa, em que as pessoas, em especial as mulheres, têm sua vida pessoal atropelada por um excesso de demandas que não conseguem atender. Que mundo é esse em que o trabalho, em vez de enobrecer o espírito humano, o asfixia? Na minha visão, precisamos revolucionar o conceito de trabalho se quisermos ter sociedades em que as pessoas floresçam e alcancem seu potencial. A solução passa pelo conceito de ROWE – Results Only Work Environment. Voltarei ao tema em breve.

Conflitos no trabalho

Vamos reconhecer o inevitável: Em todo grupo de trabalho há potencial para conflitos e eles de fato ocorrem.

Como evitar que um conflito saia de controle?

Esse pequeno artigo (http://www.gsb.stanford.edu/news/headlines/lindred-greer-how-conflict-goes-viral), divulgado no boletim da Universidade de Stanford, aconselha que o conflito seja identificado em seus estágios iniciais, que a causa real do conflito seja investigada e que ele seja contido por meio de uma intervenção construtiva, sem viés. São 3 dicas bem simples. Vale a pena ler.

Justiça organizacional no trabalho

Você é ouvido em decisões de trabalho que impactam seu cotidiano? Seu chefe trata de forma diferente as pessoas da mesma equipe? Você sente que seu esforço é recompensado, mesmo com um simples elogio? Se você respondeu “não” a uma ou a todas essas questões, provavelmente sua motivação para trabalhar está aquém do ideal, não é? Essas questões exemplificam aspectos distintos, mas complementares, do conceito de justiça organizacional.

Nós julgamos as relações sociais em que participamos por algumas lentes básicas. Uma dessas lentes, que é, de fato, uma necessidade humana, é a lente da justiça. Estamos sempre monitorando se as demais pessoas estão nos tratando de forma respeitosa, se nosso esforço é reconhecido, se não há privilégios ou tratamento diferenciado para alguns em detrimento de outros ou se as decisões são tomadas de forma imparcial e criteriosa. Essa é uma espécie de gramática com a qual lemos todos os nossos relacionamentos sociais e é muito relevante em se tratando do contexto do trabalho.

Batizada pelo pesquisador Jerald Greenberg, a ideia de justiça organizacional engloba três aspectos básicos: a justiça procedimental, a distributiva e a interacional.

A justiça procedimental diz respeito a como são estruturados os processos de decisão. Em praticamente todos os relacionamentos sociais existem conflitos – o que vai definir a satisfação com sua resolução é, ao contrário do que nos diria nossa intuição, menos os resultados e mais o processo pelo qual esses resultados são alcançados. A chave é a existência de procedimentos destinados a anular vieses e garantir consistência. É a existência de uma regra clara, que o chefe aplica da mesma maneira para solucionar conflitos, independentemente das pessoas envolvidas. É o direito das pessoas darem sua opinião, sentirem que têm voz para apresentar argumentos e que estes sejam devidamente considerados, mesmo quando o resultado final não lhes seja favorável. As regras do jogo precisam ser claras e baseadas em critérios objetivos.

O segundo aspecto é a chamada justiça distributiva, que compreende a percepção relacionada a esforços e resultados. Não se trata apenas de recompensar o esforço, mas reconhecer a contribuição diferenciada quando esta existe e é relevante. Imagine que diante de um “incêndio”, uma daquelas urgências que não deveriam existir mas que às vezes aparecem no trabalho, o comprometimento da equipe para resolvê-lo seja diferente: Uns se esforçam bem mais para colaborar do que outros. O ideal é que o nível de comprometimento seja uniforme, mas e se ele não for?  Como fica a moral da equipe se o chefe não reconhece a contribuição diferenciada?

Já a justiça interacional compreende o acesso igualitário a informações que impactam a vida do profissional, bem como o tratamento digno e respeitoso na relação interpessoal. Ninguém se sente bem ao saber que apenas um grupo mais próximo ao chefe tem acesso a informações importantes. Similarmente, ninguém gosta de ser tratado com desprezo, sem respeito e sem consideração. Isso para não falar de extremos de comportamentos desrespeitosos, como o assédio moral.

Enfim, o conceito de justiça organizacional é fundamental para um ambiente de trabalho produtivo e positivo, como mostram as evidências científicas acumuladas ao longo das últimas décadas. Um ambiente sem justiça leva, inclusive, a danos à saúde das pessoas, além da desmotivação e da ausência da disposição para dar um algo a mais. Não existe motivação sustentável em uma equipe de trabalho sem que seus aspectos sejam devidamente gerenciados. Como boa parte dos gestores no setor público e privado não têm consciência desses aspectos, frequentemente eles os violam sem perceber, causando estragos à moral de sua equipe.

Percebam, por fim, que o conceito é amplo e se aplica a diversos contextos. Quem é que nunca se indignou, por exemplo, com um fiscal de trânsito mais preocupado em aplicar multas do que em organizar o fluxo de veículos? Ou por ser tratado de forma desrespeitosa por uma empresa quando precisa de assistência técnica para um produto defeituoso? Ou, ainda, por esperar horas por um atendimento médico, sem receber qualquer informação relevante?

Fica claro, então, que o conceito é bastante amplo e que permeia todas as nossas relações sociais.

Controle no trabalho x saúde

O epidemiologista britânico Michael Marmot (hoje professor na área de saúde pública em Harvard) estudou por várias décadas os funcionários do serviço público inglês. No livro de 2005 “The Status Syndrome” (http://www.amazon.com/Status-Syndrome-Standing-Affects-Longevity/dp/0805078541), ele resume as descobertas de sua pesquisa científica e as de vários outros autores, compreendendo o estudo de populações de países como Japão, Inglaterra, EUA, Finlândia etc. Os achados têm profundas implicações para políticas sociais e para o mundo do trabalho e, à exceção da Grã-Bretanha, pouca gente ainda no mundo corporativo conhece essas evidências e suas profundas implicações em se tratando de motivação humana, saúde e trabalho.

Marmott, em sua longa carreira de pesquisas, produziu e reuniu uma montanha de evidências que comprova que quanto mais controle temos sobre o trabalho e os outros aspectos da vida e quanto mais participação temos na esfera social, maior a nossa longevidade e menor a incidência de doenças graves, como as cardiovasculares e câncer. A diferença torna-se brutal conforme se avança na hierarquia social e não é explicada por hábitos de vida, tabagismo etc. Isto é, hábitos alimentares, tabagismo etc. têm influência sobre a incidência de doenças e a mortalidade, mas o efeito é pequeno quando comparado aos fatores psicossociais, cujo efeito se dá pela presença de diferentes níveis de stress crônico entre os indivíduos. Por isso Marmot chama os problemas decorrentes desses fatores psicossociais de síndrome. Mais ainda, trata-se de um gradiente, de modo que o segundo grupo de pessoas com melhor posição social vive menos do que o primeiro grupo e assim sucessivamente, até o grupo mais baixo na hierarquia social (para ter uma ideia do gradiente, veja o gráfico nesse pequeno artigo da The Economist: http://www.economist.com/node/15501633). A pesquisa também controlou por outros fatores que poderiam explicar os resultados, como o acesso a um bom sistema de saúde. Esses outros fatores não explicam os resultados encontrados.

Evidentemente, todas as sociedade têm um gradiente na hierarquia social e não há como abolir isso. O que se pode fazer é diminui-lo e há meios práticos para isso. A pesquisa de Marmot mostra que, em se tratando de trabalho, é importante:

1. O balanço entre demandas feitas ao indivíduo e o controle que ele tem sobre seus recursos (tempo, autonomia para decisões) para atender essas demandas. Medida prática: incrementar a autonomia dos funcionários (lembrando que autonomia não é independência: requer regras claras, estrutura, e oportunidade de escolha e não é compatível com um erro comum dos gestores, que é o microgerenciamento).

 2. As oportunidades para engajamento existentes (espaço para participação social, como voz na tomada de decisões que impactam sua vida, e para desenvolvimento pessoal e profissional)

3. O balanço entre esforço e recompensas (não apenas monetárias, mas também recompensas sociais, como auto-estima e recompensas relacionadas às oportunidades de carreira).

Para ter acesso a uma revisão recente das sugestões de Marmot, principalmente as sugestões para a gestão pública, veja este site:

http://www.instituteofhealthequity.org/projects/fair-society-healthy-lives-the-marmot-review

The status syndrome

Michael Marmot’s research should be an alarm call to our societies. I deeply recommend his 2005 book “The Status Syndrome” (http://www.amazon.com/The-Status-Syndrome-Standing-Longevity/dp/0805078541), which brings together a wealth of research showing the devastating effects of lack of control over one´s life and lack of social participation on health (several diseases, including cancer and especially cardiovascular disease) and longevity. Marmot’s work is revolutionary in showing that the problem is broader than simple categorization of poor/rich people and their health differences. He shows clearly that there is a health gradient in population no matter the society and, after taking into account the usual causal suspects (smoking, for instance), the great culprit is the way societies are structured to channel or to mute basic human needs like control (autonomy).
The research and the book have deep implications for social marketing. The central thesis reminds me of the social marketing metaphor of the (downstream) drowning people and their initial behavior at the (upstream) river.
It has also profound implications for work and the way it is structured. Control (or lack of) one has in work is a strong causal agent in the process described by Marmot: lack of control activates the stress mechanisms that are behind the progress of cardiovascular and other diseases. Nobody can develop her capabilities in life while feeling like a pawn on a daily basis.