Sam Harris, em “The Moral Landscape” (2010), argumenta que a ciência é capaz de apresentar respostas aos problemas morais da humanidade. Basicamente, ele argumenta que soluções sociais que aumentem o bem-estar da população são, do ponto de vista moral, superiores a outras soluções alternativas. A humanidade, na visão dele, sempre se deparou com um campo de soluções infinitas para os problemas que enfrenta (subsistência, organização social, desenvolvimento humano). Algumas das soluções encontradas simplesmente são melhores do que outras para avançar o bem-estar humano. Eu concordo. Evidentemente, jamais teremos um referencial isento para julgar culturas ou o que eu estou chamando de soluções sociais para os problemas humanos.
A ausência desse referencial isento era e ainda parece ser um dos pilares centrais do chamado relativismo cultural, que, levado às suas últimas consequências, pressupõe como legítimas práticas antigas (e ainda em voga) como a extirpação de clitóris na África, o assassinato de mulheres por “infidelidade”, a vedação de papeis sociais relevantes às mulheres e grupos sociais discriminados, e o massacre de pessoas com crenças e origens étnicas distintas.
Os problemas morais podem ser enfrentados com o auxílio fundamental da ciência, amparada por princípios secularistas. Sociedades e culturas que conseguiram respostas que aumentaram o bem-estar de sua população — traduzido por maior longevidade, baixíssima mortalidade infantil, instituições sólidas, ausência de violência institucionalizada, virtual ausência de infanticídio (historicamente sempre presente em níveis altos na esmagadora maioria das sociedades humanas), patamar alto de confiança social, tratamento igualitário entre os gêneros, satisfação com a vida etc. — atingiram níveis elevados em uma hipotética escala de desenvolvimento humano ou no campo de soluções possíveis proposto por Harris. Logo, na minha visão, suas soluções são sim superiores. Isso não implica, evidentemente, que essas soluções devam ser impostas à força a outras culturas. Mas implica, sim, que não dá para aceitar a permissividade em nome do respeito à cultura alheia embutida na visão de psicólogos culturais como Richard Shweder ou aceitar a proposição de que a harmonia identificada em uma sociedade como a indiana justifica a existência de um sistema moral que valida castas inferiores ou “intocáveis”, como entende Jonathan Haidt.
Claro, o critério de julgamento que estou empregando é um critério ocidental pós-Iluminismo, eivado de modelos mentais atuais e inserido, portanto, no Zeitgeist do início do século XXI. Mas que alternativa há? Estamos, mais uma vez, diante da impossibilidade de defesa de um ideal platônico ou kantiano. Desse modo, aplica-se a solução elegantemente contida na metáfora do barco de Neurath: Julgam-se sistemas de crenças com base em princípios científicos, racionais e lógicos, sem presumir de forma absoluta a isenção ou “firmeza” destes e sempre com a disposição de incluí-los nos mesmos processos de julgamento. Não parece haver solução perfeita para os dilemas morais da humanidade, mas essa solução é a que, na minha visão, chega mais perto de oferecer respostas satisfatórias. A solução vai também ao encontro da visão de processo civilizatório elegantemente construída pelo sociólogo alemão Norbert Elias. O processo civilizatório implica renúncia aos instintos mais básicos do ser humano (e também às crenças e práticas primitivas), mas não há outro caminho para o desenvolvimento humano e para o alcance de patamares altos de bem-estar social.
(Escrevi esse post como se estivesse explicando para meu filho, no futuro, minha visão atual sobre algumas questões que eu julgo importantes. Espero que ele leia quando for adulto e que sinta à vontade para contra-argumentar).