Meu modelo mental para os problemas do Estado brasileiro. É a primeira versão ainda, usando uma técnica conhecida como CLD (causal loop diagram), que tipicamente é um passo prévio para o desenvolvimento de um modelo quantitativo com estoques e fluxos (o método é conhecido como dinâmica de sistemas). As relações causais são mais ou menos autoexplicativas. Reparem que há muitos delays envolvidos (os dois tracinhos paralelos nas setas), há muitas relações não linerares (não representadas) e que, como se poderia esperar, quase tudo é endógeno nesse tipo de sistema. O modelo evidentemente exclui o que não me parece ser relevante para explicar a dinâmica dos problemas centrais.
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Por que o Estado brasileiro nunca vai funcionar
No início de junho de 2016 um menino de 6 anos, filho de um morador de rua, morreu de frio em São Bernardo do Campo. No ano retrasado, um menino da mesma idade, com doença mal diagnosticada após dois atendimentos em uma unidade municipal de saúde de São Paulo, faleceu de dengue. Quase que diariamente lemos notícias simulares nos jornais. Por que o Estado brasileiro não consegue prevenir essas tragédias? Somos incapazes de proteger os mais necessitados e lhes oferecer caminhos para uma vida digna. Somos incapazes de oferecer igualdade de oportunidades para todos e romper o círculo vicioso do baixo desenvolvimento humano.
O estrangulamento fiscal sobre o qual todos estamos nos acostumando a ler nos jornais nos últimos anos – reflexo de um Estado que é capturado por interesses dos segmentos mais privilegiados – não explica inteiramente a incapacidade da máquina estatal funcionar adequadamente. Um elemento central por trás do problema, mas raramente discutido, é o monumental desperdício do capital humano empregado pelo Estado. É comum, nas diversas esferas de governo, que servidores percam seu brilho nos olhos depois de pouquíssimos anos de seu ingresso. Quem está dentro do sistema percebe isso. O mais importante, no modelo de administração pública brasileira, é cumprir a infinidade de regras burocráticas e jamais questionar ordens “superiores”, ainda que elas não levem ou até afastem o servidor do propósito da organização. Por trás dessa engrenagem cruel, que transforma pessoas motivadas em zumbis organizacionais, reina o chamado paradigma Weberiano, marcado por duas características associadas e que são fatais: a desconfiança, por definição, nas pessoas e o foco excessivo em controle, às custas do foco em resultados que importam.
Ainda que haja tentativas de se introduzir um modelo gerencial na administração pública, o modelo tradicional jamais foi abandonado. Provavelmente porque três características culturais brasileiras acentuam a preferência por ele: somos um dos países de menor nível de confiança interpessoal no mundo e temos escores problemáticos em duas dimensões estudadas pelo antropólogo holandês Geert Hofstede – não lidamos bem com a ambiguidade (e, por isso, tentamos controlar tudo) e somos uma sociedade bastante hierárquica. O resultado dessa combinação é o pior possível: um Estado que é uma engrenagem perversa de aniquilamento da motivação de seus servidores, inóspito à inovação e que é incapaz de desenvolver capacidades gerenciais e um repertório adequado de ações eficazes.
O Estado brasileiro, nos seus três níveis, não é ineficiente apenas porque é grande demais. Ele continuará ineficiente e ineficaz independentemente do tamanho que venha a ter. Em um mundo cada vez mais complexo, no qual a sociedade espera respostas ágeis e, acima de tudo, eficazes, não dá mais para nos darmos ao luxo de ter um percentual enorme de servidores desmotivados, cumprindo ordens mal concebidas e desconectadas do propósito maior a que os órgãos deveriam servir. De que adianta um profissional de saúde cumprir sua meta de atendimento ou seu horário se a criança, mal diagnosticada, morre no dia seguinte? Precisamos de um novo modelo gerencial para a administração pública brasileira, menos focado em controle e mais focado em resultados efetivos, que empodere os servidores e rompa com a sufocante burocracia que dificulta o trabalho de todos. Um modelo que permita, inclusive, redução acentuada no número de servidores. O paradigma atual, não custa ressaltar, leva à baixa produtividade do quadro existente, gerando órgãos inchados, mas pouco eficazes.