Como vejo o “job crafting”

Esta semana dei um depoimento a uma conhecida revista sobre o conceito de “job crafting” (redesenho do trabalho), que eu havia mencionado, de passagem, em um capítulo de livro que escrevi.

Eu nem de longe sou especialista em gestão de pessoas. Faço doutorado em marketing social (Administração). Mas não deixo de refletir sobre o comportamento organizacional. Nós todos, via, de regras, estamos inseridos em organizações. Bom, explico abaixo como vejo o assunto (job crafting).

A concepção tradicional de trabalho é a de que ele é um conjunto fixo de “tijolinhos”, cada um representando uma determinada atividade operacional ou estratégica.

O conceito de job crafting implica deixar o profissional escolher ou criar uma parte desses tijolinhos. O conceito é neutro, isto é, o profissional pode ou não adotar tijolinhos de interesse da organização. O ideal é que adote e, para isso, a organização precisa estar preparada.

Além do risco de não favorecer atividades que sejam produtivas tanto para a organização quanto para o indivíduo, há outro risco quando o job crafting já existe, que é o de ele ser invisível para a organização. Isto é, além de não haver processos ou estrutura para lidar com ele, o sistema de incentivos (em especial os incentivos psicológicos e sociais) não o reconhece ou o desincentiva. Com isso, o profissional corre o risco de se desmotivar e voltar a executar o arroz com feijão, que não desperta suas paixões, motivos ou interesses. Não é à toa que o percentual de trabalhadores que se diz efetivamente motivado, mundo afora, é muito baixo.

Vejo um potencial enorme do job crafting para despertar motivos, paixões e forças pessoais. Toda organização tem desafios estratégicos e operacionais a serem enfrentados, para os quais as soluções tradicionais são bastante imperfeitas. A questão é que muitos desses desafios podem ser enfrentados de bom grado, quando se permite que as pessoas tenham algum grau de escolha em seu cardápio de atividades, de modo a dar vazão a suas paixões, interesses e motivos. Essas paixões muitas vezes são direcionadas para fora do ambiente do trabalho. Ou são sufocadas pelos incêndios do cotidiano organizacional e pelas caixinhas fixas do trabalho. O exemplo mais conhecido de solução para lidar com isso é o do Google e seus 20% do tempo de trabalho para atividades de livre escolha.

O conceito de job crafting acaba sendo plenamente aplicável quando ele está inserido em um contexto maior, em que as organizações se redesenham de fato para extrair o melhor das pessoas – uma necessidade nos dias de hoje, especialmente para quem depende de profissionais do conhecimento.

Eu não vejo, porém, o job crafting como panaceia para resolver todos os problemas de motivação. Vejo, por outro lado, que as organizações precisam de uma séria reforma se quiserem extrair o melhor das pessoas no século XXI. A professora de Harvard Teresa Amabile escreveu um artigo para a Harvard Business Review em 2011, comentando que nada poderia ser mais importante para os gestores do que extrair o melhor de sua equipe. Porém, até hoje a maioria deles trabalha com concepções incorretas do que motiva o ser humano, em especial trabalhadores do conhecimento. No Peter Drucker Global Forum de 2013, uma das principais conclusões foi a de que Drucker, se vivo, ficaria bastante decepcionado pelo fato de a ciência da Administração não ter encontrado ainda boas ferramentas de gestão para lidar com profissionais do conhecimento, o que era uma de suas principais preocupações.

O cenário ainda hoje, comentam pesquisadores da área, é de insatisfação. Eu me lembro de um estudo que saiu em 2013, divulgado pela Wharton, mostrando que quando os headhunter ligam, um número surpreendente de executivos respondem.

Pouca coisa é pior para as organizações do que funcionários que não têm ligação emocional com seu trabalho e com a organização. Por isso, entendo que 4 níveis que idealmente devem estar alinhados para o job crafting funcionar bem:

– Nível global. O que a professora (Harvard) Rosabeth Moss-Kanter chama de lógica institucional. Segundo ela, as organizações só vão prosperar no longo prazo se se reinventarem, baseando a gestão em valores, fornecendo propósito a seus profissionais, inserindo-se na esfera pública, confiando em seus profissionais (o que implica profunda revisão de estruturas e processos, sem falar de cultura), sem se submeter a visões de curto prazo, cuidando dos objetivos financeiros, mas sem se subordinar a eles. Nesse nível também está inserida a cultura organizacional – os valores e crenças mais profundas de qualquer organização, que influenciam todos os demais níveis abaixo.

– Nível da arquitetura organizacional. Outra das conclusões do Peter Drucker Forum foi a de que as hierarquias estão com os dias contados. Elas são uma solução muito imperfeita para as organizações lidarem com seus desafios internos e externos. John Kotter (Harvard) defende o conceito de sistemas operacionais duplos, em que uma outra estrutura, não hierárquica, é criada para lidar com esses desafios. Nada mais apropriado para o job crafting.

– Nível da gestão de desenvolvimento profissional. Os processos, estruturas e sistemas de incentivos precisam estar preparados para o job crafting.

– Nível da equipe. Evidentemente, o profissional pode sempre, individualmente, buscar novas atividades para seu cardápio, negociando com seu líder. Idealmente, o conceito de liderança compartilhada e seguimento ativo (active followership, proposto pela professora de Harvard Barbara Kellerman) casa bem com o job crafting. Isso implica o questionamento e a revisão do modelo “comando e controle” ainda vigente na maioria absoluta das organizações.

O conceito de job crafting casa muito bem ainda com o conceito de cidadania organizacional – a disposição de dar um algo a mais, de “vestir a camisa”, como se dizia antigamente.

Mas job crafting tende a não ser para todo mundo. Tende a ser mais favorecido para profissionais como uma orientação motivacional intrínseca (é o que diz a literatura). Isto é, pessoas automotivadas. Sua gestão também tende a ser um pouco mais complexa do que as aparências iniciais indicam. Como outras pessoas enxergam aqueles que o praticam? (isso tende a evocar questões de justiça organizacional, por exemplo) A cultura organizacional o favorece?

Enfim, uma parte considerável dos profissionais, em organizações públicas e privadas, vai exigir cada vez mais propósito, significado, perspectivas de crescimento profissional etc. O paradigma mudou. Mas muitas organizações ainda estão presas à visão, muito bem sintetizada pelo linguista George Lakoff, que o trabalho é meramente um tipo de atividade que é independente de quem o executa, de qual significado ele agrega à vida do trabalhador e da satisfação ou insatisfação que ele traz.

A Amy Wrzesniewski (Yale), especialista em job crafting, diz que para o profissional começar a difunfir a ideia na organização ele precisa focar em criar valor para os outros, construir confiança e identificar em quem vai apoiar sua iniciativa. Eu diria que o primeiro passo, como quase sempre, é difundir o conceito. A concepção tradicional de trabalho ainda ocupa corações e mentes da maioria dos gestores.

Banco de desafios no setor público

A revista Exame desta semana traz reportagem sobre como algumas grandes cidades do mundo estão enfrentando os desafios de gestão, destacando uma elite de servidores públicos para essa tarefa. Infelizmente, nenhuma cidade brasileira na relação. Eu defendo o conceito de banco de desafios para as organizações públicas brasileiras: um conjunto de problemas variando dos simples aos hipercomplexos (cabeludos), disponíveis para serem escolhidos e enfrentados por servidores motivados, trabalhando sob um regime de autonomia e accountability. Um dia chegaremos lá, mas é um desperdício que os governos daqui ainda estejam amarrados a modelos de gestão tão arcaicos, que não produzem inovação, entregam pouco valor e asfixiam a motivação dos profissionais.

Seu chefe não é mais seu pai (ou mãe)

O post de hoje trata de dois textos recentes que indicam o que parece ser o futuro da gestão e das organizações. Recentemente o tema complexidade entrou no radar dos acadêmicos da Administração, em boa parte como reflexo de um movimento mais amplo. Esse movimento se iniciou há algumas décadas com o Instituto Santa Fe nos Estados Unidos e com a busca de uma abordagem científica interdisciplinar para lidar com fenômenos naturais e sociais que não cabem em caixinhas ou abordagens reducionistas. Hoje, felizmente, não apenas se reconhece que a gestão ainda lida de forma simplista com um mundo cada vez mais complexo, como também hoje se reconhece que o modelo de organização que herdamos do século XX não serve mais: não prepara as organizações para lidar adequadamente com as turbulências do macroambiente, não extrai o melhor das pessoas (pelo contrário) e não dialoga com a sociedade.

Os dois textos indicados a seguir são uma amostra representativa dessa busca por novos paradigmas de gestão. Vale a pena entrar nesse diálogo.

O primeiro texto (leia aqui) é do consultor Steve Denning, que escreve para a revista de negócios Forbes. A contribuição aqui é, na verdade, um resumo do que foi o último fórum Peter Drucker, realizado na Áustria no ano passado (2013). O que se constatou na reflexão que foi feita naquele fórum sobre o grande legado de Drucker?

  • Peter Drucker teria encarado o fato de que apenas 11% da força de trabalho é apaixonada pelo que faz como nada menos do que uma tragédia humana. O aproveitamento do talento humano era um tema que ocupava sua atenção e para o qual ele não tinha respostas satisfatórias, ainda que tivesse esperança de encontrá-las.
  • Nossas organizações estão em sérios apuros. O modelo hierárquico do séxulo XX que todos conhecemos simplesmente não funciona mais – ele mata a inovação, mata o entusiasmo das pessoas e mata a confiança.
  • Novos modelos estão surgindo e representam uma séria ruptura no modelo mental vigente há quase um século. Apenas mudando as organizações é que se conseguirá ter o tipo de liderança que a sociedade requer. Sem mudar o ambiente organizacional, não há como ter mudança real.
  • As organizações devem evoluir em torno de cinco dimensões importantes: propósito, estrutura, coordenação, valores e comunicação.

O segundo texto é da professora da London Business School Lynda Gratton. Leia aqui. Na verdade, é um pequeno trecho de seu livro mais recente. Nele, ela desenha o paradigma que está sendo criado para o desenho de organizações duradouras e eficazes. Destaco os seguintes aspectos:

  • As melhores organizações são aquelas preparadas para extrair o melhor da inteligência e da sabedoria de uma infinidade de cérebros que se vinculam a elas. Elas desenvolvem ferramentas colaborativas para orquestrar o uso desses recursos, costuram redes de relacionamento para desenvolver inovação e focam no bem-estar e na vitalidade emocional dos integrantes dessas redes.
  • Como lembra a professora Barbara Kellerman (no livro The End of Leadership – que recomendo fortemente também), a liderança corre o risco de se tornar obsoleta. Não que os líderes deixarão de existir – isso não acontecerá. Ocorre que o seguimento (followership) hoje é mais importante do que a liderança. Isto é, aquela visão antiga de equipes de trabalho em que os liderados apenas esperam passivamente por instruções do chefe é coisa do passado. Hoje se espera que os “liderados” sejam seguidores ativos (e é preciso criar condições para que isso ocorra).
  • As organizações, para sobreviver, vão depender cada vez mais de uma bússola moral que guiará as pessoas, criando valores e princípios .
  • A estrutura hierárquica tradicional que conhecemos cada vez mais é coisa do passado.
  • Igualmente, o típico relacionamento paternalista de trabalho (parent-child) está com os dias contados. No novo paradigma, o funcionário deixa de ser visto como criança (com todas as implicações decorrentes dessa visão) e o relacionamento com a organização segue a linha de adulto para adulto.  Com isso, aumentam tanto a autonomia do profissional quanto sua responsabilidade.

Enfim,  é um novo mundo, com novos paradigmas que clamam por uma revisão de modelos mentais de gestão e por uma dolorosa mudança em culturas organizacionais. Você está preparado para ele?

 

Desafios da gestão e desafios dos relacionamentos

Seguem duas indicações de rápidas leituras bem interessantes.

A primeira delas, da consultoria brasileira Amana-Key, resume com rara felicidade os principais desafios que toda organização enfrenta nos dias de hoje e para os quais ainda não há soluções disseminadas, embora haja alguns caminhos promissores. Segue o link:  www.amana-key.com.br/newsletters/jul2014

A segunda indicação trata dos efeitos no nosso cérebro da difícil arte de lidar com pessoas, em especial no que diz respeito a dar (e receber) feedback negativo e positivo. O que se sabe é que os efeitos de uma crítica mal feita são duradouros e muito mais poderosos do que os de um elogio. Não se trata de não dar feedback negativo às pessoas (em qualquer relacionamento!), mas sim da maneira correta como isso deveria ser feito. Como está claro no texto a seguir, há poucas coisas mais prejudiciais a um relacionamento de qualidade de longo prazo do que a pessoa que entra em discussões com opiniões já formadas, preocupada apenas em fazer com que os outros a aceitem e que não consegue ouvir e ter empatia com outros pontos de vista. Vale a leitura também (é curto) e a reflexão: http://blogs.hbr.org/2014/06/the-neurochemistry-of-positive-conversations/

Holacracy

I am a big fan of new organizational architectures that empower people and bring the organizations to the horizontal world where we are actually living. Holacracy seems to be one of these new approaches (along with John Kotter’s dual operational system). Take a look at this short piece from London Business School (click here).

Os efeitos do poder e a gestão das organizações

De acordo com as evidências científicas mais atualizadas, o poder faz com que as pessoas tendam a:
– Priorizar seus próprios objetivos e desejos, em detrimento dos objetivos e desejos das outras pessoas
– Deixar de considerar as perspectivas de terceiros
– Ser menos cortezes
– Agir de forma mais impulsiva e procurar satisfazer caprichos
– Desconsiderar os sentimentos das outras pessoas
– Ter maior probabilidade de interromper as outras pessoas em conversas
– Olhar menos nos olhos de outras pessoas – que ocupam menor posição de poder – quando estas estão falando (existe até um coeficiente para isso… quem está em posição de poder demanda o olhar do “subordinado”, mas gasta bem menos tempo olhando para ele)
– Agir de forma mais hostil
– Ter seriamente debilitada a mesma inteligência social que as levaram inicialmente à posição de poder (fenômeno conhecido como o paradoxo do poder – a pessoa que chegou ao poder sendo amigavel, atenta aos outros, deixa de sê-lo)
– Agir para preservar seu poder, atuando até agressivamente quando percebem que seu poder está ameaçado
– Considerar relações que podem ser amistosas como meramente instrumentais, enfraquecendo a qualidade dos relacionamentos sociais de que participam
– Julgar as outras pessoas de forma superficial
– Racionalizar comportamentos anti-éticos
– Ter distorcida sua habilidade para analisar informações complexas e tomar decisões com base nessas informações (adotando uma visão que ignora nuances)
 – Superestimar sua virtude moral e, portanto, repelir maior transparência ou maior monitoramento sobre suas ações.
Agora pensem em todas as pessoas que vocês, ao longo da carreira profissional ou mesmo da vida, viram mudar da água para o vinho quando assumiram uma posição de poder. Ou pensem naqueles que vocês já conheceram em posição de poder, nos diversos contextos (familiar, organizacional, social, político).
Reflitam ainda: É fácil ocupar posição de poder?
Evidentemente, nem todo o mundo que terá algum grau de poder exibirá parte ou mesmo todos os efeitos listados acima. O fato de a força situacional ser invisível, imperceptível e fortíssima não quer dizer que seus efeitos serão inevitáveis. Ou pelo menos as piores manifestações dos efeitos acima não necessariamente vão se materializar, mas as tendências existirão. É por isso que grupos sociais na gestão de qualquer organização precisam estar atentos e precisam estruturar processos de trabalho e de decisão que levem em conta essas tendências.
Os conflitos nos grupos sociais são inevitáveis. Melhor do que imaginar um cenário absolutamente irreal (sem conflitos) é aceitar esse fato (potencialmente doloroso) e tomar medidas para lidar com conflitos , com as naturais divergências de opinião e com os potenciais efeitos do poder sobre as pessoas.

Três (ou quatro) passos para lutar contra as insaciáveis urgências

Segue um pequeno artigo escrito no blog da Harvard Business Review, com dicas valiosas para o desafio que a maior parte de nós enfrenta no cotidiano profissional e pessoal: A falta de tempo.
Como usar os 10 primeiros minutos do seu dia para otimizar suas atividades?
O erro mais comum que cometemos é olhar, como primeira atividade do dia, os e-mails e recados. Com isso colocamos em risco trocar o que é importante pelo que é urgente (que não necessariamente se confundem).
A saída?
Primeira atividade do dia: Imagine que o dia acabou. Pergunte-se: estou deixando o trabalho com um tremendo sentimento de realização. O que eu consegui realizar?
Essa simples pergunta serve para separar o que é urgente do que é importante e para direcionar os nossos esforços para as atividades do segundo tipo (isto é, as importantes).
Segundo passo: Quebre tarefas complexas em ações específicas, identificando o próximo passo concreto a ser tomado.  Faça uma lista, usando verbos (por exemplo: fazer um esboço da apresentação que preciso fazer).
Terceiro e último passo: Priorize sua lista e, sempre que possível, comece pelas atividades que demandam mais energia mental (a energia mental é um recurso finito, que vai se esgotando ao longo do dia).
Por fim, uma dica que não está no texto e que vale para as urgências: Delegue, sempre que possível; e procure identificar a origem das urgências, pois, às vezes, simples modificações no processo de trabalho ou no fluxo de informações podem tornar as urgências menos urgentes e mais administráveis.