(Esta é versão curta do artigo mais longo que escrevi sobre a Nota Fiscal Paulista)
Cara, injusta e provavelmente ineficaz. Esse é o retrato do programa Nota Fiscal Paulista depois de quase 9 anos de sua criação.
Segundo os dados públicos do programa, em 2015 os valores resgatados foram de cerca de R$ 1,8 bilhão. Isso equivale a quase todo o orçamento da Unicamp no mesmo ano, todo o valor somado dos repasses de ICMS em 2015 às prefeituras de Campinas, Guarulhos e Santos e quase quatro vezes o valor total do bônus prometido em 2016 para os professores da rede pública de ensino. Mas pode ser argumentado que a maioria absoluta dos programas públicos custa caro. Então esse critério isoladamente não é suficiente para condenar a Nota Fiscal Paulista.
O segundo aspecto importante é que o programa tem um caráter regressivo. Considerando que os recursos públicos são escassos, que há enormes deficiências sociais clamando por atenção e recursos, é justo que um programa público privilegie as pessoas de maior renda, que são as que mais consomem? A Nota Fiscal Paulista, pelo seu próprio desenho, privilegia quem consome mais, com mais frequência, compra produtos mais caros, vai a restaurantes mais sofisticados e até quem compra joias. E não é só isso. Quem compra automóveis e outros bens caros tem a sua disposição um grande número de bilhetes para concorrer aos sorteios mensais do programa. Ainda que o programa possa ter pulverizado bastante a chance entre todos os concorrentes, é inegável que é socialmente injusto o fato de um comprador de automóvel de luxo ter, antes do sorteio, uma chance de ganhar prêmios muitas vezes maior do que o consumidor de baixa renda. Os prêmios recentemente foram aumentados para quase R$ 20 milhões. Por mês. Assim como a nossa tributação penaliza os mais pobres, a Nota Fiscal Paulista acaba favorecendo os que menos precisam.
O terceiro aspecto é aquele que é fundamental. Trata-se da eficácia do programa. A sonegação no varejo sempre foi considerada alta, porque o setor é muito pulverizado e sua fiscalização, custosa. Incentivar a demanda de notas fiscais faz sentido, mas é preciso verificar se o programa traz o resultado pretendido. Não parece haver avaliações independentes, periódicas, metodologicamente sólidas e, principalmente, públicas. Tudo se passa como se a Nota Fiscal Paulista fosse um tremendo sucesso. Dois estudos acadêmicos sérios cobriram períodos apenas até o ano de 2011. Um deles sugeriu até um prejuízo. Ambos não captaram adequadamente todos os efeitos da substituição tributária, que foi uma mudança drástica na tributação paulista feita com o mesmo objetivo de reduzir a sonegação no varejo. Isto é, ao mesmo tempo em que o governo prometia devolver parte do imposto aos consumidores, ele desidratou o imposto a pagar da boa parte das lojas, antecipando a arrecadação para a indústria e o atacado.
Há outros aspectos do programa que sugerem uma avaliação desfavorável. Como já reconhecido nos estudos feitos, as lojas que mais emitem as notas com CPF muito provavelmente são as que já agiam, no geral, corretamente. São grandes redes, mais formalizadas. Além disso, o sucesso do programa é fortemente afetado pela proporção de consumidores efetuando resgates. Parte substancial dos créditos gerados provavelmente jamais vai ser sacada. Incrivelmente, mesmo com todo o gasto envolvido, o programa jamais superou a barreira de adesão representada, grosso modo, por um terço das notas emitidas.
Vale a pena mantê-lo? Sem estudos econométricos independentes e atualizados, fica difícil responder. Mas, na medida em que a tecnologia avança (por exemplo, com a introdução do S@T Fiscal no varejo, que é uma espécie de Big Brother em tempo real), favorecendo o trabalho de fiscalização do ICMS, faz pouquíssimo sentido que esse programa continue existindo da forma como está configurado e custando tanto. Não basta ser um programa simpático; é preciso que seja eficaz. Se não for, é necessário repensá-lo e realocar seu orçamento para outras prioridades.
Por fim, há um aspecto fundamental no modelo mental por trás do programa e que usualmente passa despercebido a gestores, jornalistas e ao público em geral. Por que o Estado tem de devolver dinheiro de impostos quando o correto seria que devolvesse serviços minimamente decentes para sua população a partir do suado dinheiro arrecadado com os impostos?