Pode parecer estranho chamar dessa forma, mas governos, empresas e intermediários (como contadores) compõem o ecossistema tributário de qualquer país. Como em um ecossistema natural, há competição por recursos escassos, há brechas nas estratégias dos agentes que serão inevitavelmente exploradas e há o que eu chamo de bolsões de tentação. Esses bolsões emergem a partir das regras que guiam o comportamento dos agentes do sistema e geralmente são consequências não desejadas ou imprevistas por quem desenhou o sistema em primeiro lugar.
Tomemos o caso da receita dos royalties do petróleo no Rio de Janeiro. A chamada “maldição do petróleo” nada mais é do que uma folga exagerada no sistema de arrecadação (o que estudiosos da área de sistemas chamam de “slack”), que cria uma tentação praticamente irresistível para o gasto excessivo ou mal direcionado e para a negligência com a arrecadação de tributos. Aquele estado, como sabido, não tardou em abraçar a guerra fiscal na última década, concedendo benefícios fiscais a rodo. Quando há “slack” em demasia, o sistema social inevitavelmente responde com complacência. No Rio, a adesão à guerra fiscal criou ainda um novo bolsão de tentação para as empresas já instaladas: projetos de novos investimentos passaram a exigir do Estado as mesmas condições oferecidas às empresas atraídas pelos generosos benefícios fiscais. Criou-se, assim, um círculo vicioso adicional nas finanças daquele estado.
A guerra fiscal no Brasil, diga-se, foi semeada no sistema em seu início, quando se decidiu que a gestão do ICMS ficaria a cargo dos estados. Era inevitável que, em algum momento, um deles se sentiria tentado a ofertar benefícios fiscais, por diversos motivos, e que isso levaria a respostas similares dos demais estados, em uma clara corrida ao fundo do poço. Na mesma linha, o primeiro aperto de recursos nos governos praticamente pariu a ideia da chamada anistia tributária (parcelamento especial de tributos), criando, na sequência, um ciclo sem fim que redundou no estado atual de anistia quase permanente nos estados – que já faz parte do planejamento tributário das empresas, minando, assim, o próprio benefício esperado com a medida.
O disfuncional sistema tributário brasileiro é, ainda, causa e consequência da luta dos diversos setores econômicos por benefícios fiscais. Novamente, uma vez concedidos os primeiros tratamentos privilegiados, cria-se um bolsão de tentação para que outros setores briguem por condições iguais ou melhores, piorando cada vez mais o sistema. Chega-se a condições tecnicamente pouco justificáveis, como o caso dos frigoríficos em São Paulo, que não apenas estão isentos de impostos, mas recebem créditos do estado, mesmo com dívidas tributárias. A carne, como o ranking de complexidade de produtos de Harvard não deixa mentir, é um produto de baixa complexidade econômica e que não deveria receber tamanhos benefícios. Por falar em São Paulo, trata-se do berço da chamada substituição tributária, mecanismo que concentra todo o pagamento do ICMS das cadeias econômicas nas indústrias. Seu objetivo seria o de combater a sonegação no varejo, que tradicionalmente sempre foi alta. Por outro lado, esse mecanismo parece ter criado um significativo bolsão de tentação no sistema, aumentando drasticamente o prêmio pela sonegação ao mesmo tempo em que foram criadas novas e complexas brechas para desviar o imposto devido.
No fundo, quem pretende intervir em um ecossistema social complexo, como é o caso da tributação, precisa abandonar a visão linear de mundo que tipicamente caracteriza a gestão pública no Brasil e incorporar modelos mentais que reflitam a complexidade desse tipo de sistema, incluindo-se as inevitáveis tentações. Adaptando um ditado antigo, diga-me onde estão as tentações no seu sistema e eu te direi onde o comportamento problemático ocorrerá.