Autonomia, motivação e experimentos
Como contornar a natural tendência à acomodação, para estimular um ambiente de motivação dos funcionários e de questionamento do hábito?
A literatura da área de administração mostra que o processo de inovação nas organizações requer indivíduos motivados, que possam questionar o hábito e as práticas tradicionais. Abordaremos essa questão por dois ângulos: a cultura interna da organização e a motivação dos funcionários.
A possibilidade de questionamento depende da cultura interna da organização. Ideias diferentes ou que pareçam absurdas nem sempre são fáceis de ser aceitas por causa da natural resistência humana a sair da zona de conforto. Às vezes, conseguir essa proeza equivale quase a realizar uma conversão religiosa. Não à toa, as grandes inovações no mercado são puxadas geralmente por empresas novas, sem compromisso com o jeito tradicional de fazer as coisas.
Da ridicularização à aceitação
Os exemplos de inovações bem-sucedidas são frequentes tanto no mundo das empresas quanto fora delas. Um exemplo citado por Tom Kelley, no livro The Ten Faces of Innovation, é o da introdução da revolucionária técnica de salto em altura por Dick Fosbury, ganhador de medalha de ouro olímpica. Inicialmente ridicularizada por seus pares, acabou adotada por virtualmente todos os atletas da modalidade quando sua superioridade foi confirmada.
Na verdade, esse é um padrão comum enfrentado por novas ideias: o rechaço inicial dá lugar progressivamente à aceitação e à ampla adoção. Acrescente-se ao início do processo o que o pesquisador Dan Ariely chamou de efeito IKEA: a resistência a ideias propostas por terceiros. Porém, no mundo organizacional, sem que haja mecanismos para teste e introdução de ideias diferentes, a tendência é a prevalência do status quo.
Brilho nos olhos
Como contornar isso? Um dos passos que podem ser dados é a adoção da filosofia de experimentos para testar propostas inovadoras. Ideias diferentes ganham o direito de serem testadas para comprovar se produzem resultados. A organização precisa também estar preparada para o erro. Tom Kelley propõe o papel do experimentador como um dos mais importantes em uma organização que se pretenda inovadora.
O questionamento de práticas tradicionais é uma parte da equação. A outra é a motivação dos funcionários. Como produzir funcionários com brilhos nos olhos, um bom indicativo de comprometimento? A motivação dos indivíduos pode ser dividida em intrínseca e extrínseca. Quando o comportamento é guiado pela expectativa de recebimento de recompensas ou punições, estamos falando de motivação extrínseca. A motivação extrínseca precisa estar no lugar certo, o que significa a existência de recompensas adequadas, para favorecer a motivação intrínseca.
“Motores” internos
Na motivação intrínseca, a ação individual é alimentada por “motores” internos, que representam os valores de cada um. Dentre esses motores, cito uma trinca que tem sido considerada como mais importante em um ambiente de trabalho, de acordo com o autor Daniel H. Pink.
Um deles é a autorrealização. Os indivíduos tendem a se motivar se conseguem desenvolver plenamente seu conhecimento e competência na execução de suas atividades. Outro fator é a visualização de um propósito maior para as atividades executadas. Por exemplo, o comportamento de auditar um contribuinte pode ser construído como a execução de uma tarefa de rotina e/ou como a defesa dos interesses da sociedade. A autonomia completa a trinca.
A autonomia
A autonomia é um poderoso fator de motivação na vida. As pessoas tendem a apresentar maior satisfação pessoal quando podem organizar suas atividades. Não é à toa que a satisfação individual costuma ser maior nos finais de semana. Para especialistas, a competência que os indivíduos percebem ter em suas atividades só influencia sua motivação quando acompanhada por um sentimento de autonomia. A liberdade para o indivíduo guiar suas ações é um dos principais fatores que explicam a motivação na sua execução.
A possibilidade de autonomia na organização do trabalho pessoal tem sido utilizada por grandes empresas como fator de atração de colaboradores de elevada qualificação. A literatura mostra que os funcionários tendem a apresentar maior satisfação no trabalho se têm liberdade para organizar seu tempo. Autonomia não é independência, pois requer estrutura e regras claras.
Maior autonomia significa que a organização confia na capacidade do funcionário para desempenhar adequada e responsavelmente seu trabalho e para atender as metas que lhe são estabelecidas em contrapartida. Nesse sentido, o trabalho à distância poderia ser testado para parte das atividades internas desempenhadas pela maioria dos profissionais nas organizações públicas que dependem de trabalhadores do conhecimento. Ou essa ideia parece muito exótica?